DocLisboa: Alain Cavalier e decisão de colocar termo à vida
Um dos grandes filmes do último Festival de Cannes, Être Vivant et le Savoir (à letra: Estar vivo e sabê-lo), não mereceu, infelizmente, grande atenção dos meios de comunicação com maior poder global de difusão. Ironicamente ou não, a sua realização tem assinatura de Alain Cavalier (n. 1931), um dos génios da Nova Vaga francesa que é também um dos nomes quase sempre omitidos quando se faz a história desse movimento que mudou a história do cinema. Pois bem, Être Vivant et le Savoir é também um acontecimento fulcral na programação do Doclisboa (exibido esta terça, 22, na Culturgest, pelas 16.00).
Cavalier evoca a sua amiga Emmanuèle Bernheim, escritora com quem tinha projetado fazer um filme. Em foco estaria o pai de Emmanuèle e a sua decisão de colocar termo à vida numa clínica, na Suíça, especializada na chamada "morte assistida". Perante o falecimento da escritora, acometida por uma doença súbita, Cavalier decidiu manter o projeto, evocando o trabalho que ambos desenvolveram e as reflexões que tinham partilhado.
Être Vivant et le Savoir é, afinal, um episódio mais de um processo de trabalho que o próprio Cavalier reconhece ter sido desencadeado - através de filmes como René (2002) ou Irène (2009) - pela utilização das novas câmaras digitais. Tirando partido da sua ligeireza "amadora", Cavalier abandonou o cinema de base industrial para fazer exercícios de "reportagem" em que o essencial decorre da partilha de vivências do cineasta/operador de câmara com aqueles que filma.
Os "Seis Retratos XL" apresentados pelo Doclisboa são outras tantas variações sobre esse método, de uma só vez cinematográfico e existencial. São filmes de duração mais típica de televisão (cerca de 50 minutos, visando a ocupação de uma hora de programação) que serão apresentados, tal como em França, em programas duplos (dias 21, 22 e 23 - São Jorge, sempre às 11.00).
No primeiro desses programas, encontramos Léon e Guillaume (cada filme tem como título o nome da figura retratada), respetivamente um sapateiro que fala da sua oficina aberta há mais de quatro décadas e um pasteleiro que avalia as possibilidades de renovação do seu negócio. Cavalier filma ainda os seus encontros com Jacquotte e Daniel, uma amiga em férias e um ator de teatro e cinema, dando-nos a conhecer, por fim, Philippe e Bernard, um jornalista que prepara uma entrevista e um ator que o cineasta acompanhou ao longo de 11 anos.
Estamos, enfim, perante uma visão plena de pudor em que, contrariando o carácter especulativo de muitos discursos televisivos sobre as vidas privadas, Cavalier se coloca na posição de um genuíno observador. Por um lado, interessa-lhe saber o que são e como são aquelas pessoas; por outro lado, a sua postura é indissociável de uma lógica de trabalho (entenda-se: de filmagem) aberta à pluralidade da vida, dos seus gestos, comportamentos e valores. Por alguma razão, ele gosta de dizer que são filmes que nascem das mais variadas formas de partilha, isto é, de cumplicidade.