“Aprender a vestir a pele negra sob o sol” é uma das frases que marca uma das novas exposições do Centro de Arte Moderna da Gulbenkian: Coro em Rememória de um Voo, da responsabilidade do artista Julianknxx e que estará patente no CAM a partir deste sábado e até 2 de junho. A frase surge de uma conversa entre Julianknxx e o músico Oseias Xavier. “Ele estava vestido de preto e estava muito calor. Então, perguntei o porquê de ele estar vestido assim e ele disse que eu tinha que aprender a vestir preto porque é versátil e que tinha que aprender a vestir esta cor sob o sol. Achei isso bastante profundo, essa ideia de uma pessoa negra pensar assim sobre a cor”, afirma o artista, durante a visita de imprensa. O artista da Serra Leoa recolheu histórias sobre as comunidades negras em diversas cidades europeias, como Lisboa, Amesterdão, Antuérpia, Barcelona, Berlim, Hamburgo, Liverpool, Marselha e Roterdão. Estes testemunhos deram origem aos filmes exibidos na exposição. .Para Julianknxx, todo o projeto de Coro em Rememória de um Voo levou-o a mudar a forma de pensar. “Ensinou-me muito sobre a Europa e o longo caminho que tem a percorrer e a reconhecer as nossas histórias. Deu-me esta oportunidade de colaborar com um monte de pessoas em Lisboa e isso foi emocionante. Espero que entendam neste trabalho como encontrámos a poesia no dia a dia das vidas negras”, acrescenta .O trabalho inclui ainda uma instalação com livros de autores africanos . “Criámos este espaço para ser um espaço de descanso e para dar a conhecer os caminhos para a história negra portuguesa com os livros que lá estão”, disse Julianknxx. De Lisboa seguimos até à periferia com a exposição individual do artista português Tristany - Cidade à volta da Cidade - que ficará no Centro de Arte Moderna da Gulbenkian até 5 de maio..Esta exposição questiona as noções de centro e periferia através de vídeo, sons e bandeiras, inspirados em locais da linha de Sintra. “Quero que as pessoas peguem nesta questão do que é o centro e tentem de alguma maneira refletir quando estiverem neste espaço. No fundo, é pensar que este lugar deixa de ser periferia para conseguir ser elevado a algo que é uma cidade”, explica o artista, durante a visita de imprensa.O vídeo exibido está dividido em três partes, sendo uma narrativa de 24 minutos projetada em três paredes da sala. As bandeiras representam prédios e ruas destes locais. Tristany contou que se debruçou sobre o significado de uma bandeira para este projeto. “Aqui não é só uma bandeira, porque também são prédios. Ao mesmo tempo são peças que dão para vestir. Isso representa vestir essa identidade, assumir esse prédio e essa bandeira”.Da vida na cidade passamos para a vida marítima com a exposição Ciguatera de Diana Policarpo. A artista inspirou-se na doença Ciguatera, que surge após o consumo de peixe contaminado de ciguatoxinas. A fauna e a flora das ilhas Selvagens estão contaminada por ciguatoxinas, causadas pela radioatividade, erupções vulcânicas e poluição..A artista portuguesa traz, assim, para o Centro de Arte Moderna da Gulbenkian duas esculturas feitas à mão que representam as ilhas selvagens. “Queria mostrar um pouco deste espaço que não está acessível ao público. Não existe transporte para as ilhas, não há absolutamente nenhum tipo de acesso a não ser com uma motorização especial”, menciona. Nas esculturas encontram-se pequenos ecrãs que mostram a fauna, a flora e as investigações feitas nas ilhas. Através das imagens, Diana Policarpo conta também uma história fictícia inspirada nos mitos e lendas das Selvagens. Esta história foca-se numa personagem que está na ilha e passa por transformações e alucinações relacionadas com os sintomas da contaminação.A artista portuguesa passou três semanas nas ilhas Selvagens em colaboração com o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA). “Acabei por fazer um trabalho de cidadã-cientista e o que eu fiz foi, essencialmente, fazer colheitas de água para o IPMA. Tive a autorização para viver com os militares que estão nas ilhas. Este é um sítio muito particular, de escassez, mas também de muita vida e de muitas espécies”, explica. Ainda sobre a temática da água e dos ecossistemas, Francisca Rocha Gonçalves apresenta uma instalação sonora imersiva, intitulada Interferências no Tejo, que fica no CAM até 19 de maio. .A artista desenvolveu este projeto com o intuito de alertar os visitantes para a poluição sonora e as suas consequências nas espécies marítimas do Rio Tejo. A instalação feita de espuma reciclada representa um ninho de um xarroco, onde os visitantes se podem sentar e experienciar o que é ser esta espécie, estando rodeada de sons e vibrações. A faixa sonora tem a duração de 24 minutos e 7 segundos e passa em loop.“A ideia é colocarmo-nos no lugar das espécies aquáticas que habitam o Tejo, que utilizam o som para comunicar e de que forma é que isso está a ser afetado pelo ruído antropogénico”, disse a artista, acrescentando que a poluição sonora é um problema pouco visível. “Ainda estamos a tentar fazer este problema mais visível, através de experiências artísticas”.mariana.goncalves@dn.pt