"Divertida-Mente 2". Olá, puberdade!
Sejamos sinceros, a fasquia estava baixa. Depois de uma sequência de filmes que puseram à vista a fragilidade criativa da Pixar - desde Turning Red: Estranhamente Vermelho a Elemental, passando por Buzz Lightyear -, a estreia de Divertida-Mente 2 faz com que se regresse, por fim, a um domínio da imaginação que tem mais que ver com o brilhantismo clássico destes estúdios do que com um protocolo de temas e cumprimento de metas de representatividade, que pesou sobre as referidas animações quase como uma burocracia indisfarçável. Claro que o facto de ser uma sequela funciona em dois sentidos contrários: por um lado, o novo filme já não será uma surpresa em termos da originalidade do conceito, mas por outro, recupera um universo tão sólido e estimado, que seria difícil estragar. Aproveite-se então para respirar de alívio neste começo, até porque o que se segue não dá muita margem para redução da carga de nervos... pelo contrário.
Vamos lá. Acaso alguém se recorda daquele grande botão vermelho que, perto do final de Divertida-Mente (2015), chamava a atenção por ter lá escrito “puberdade”? Eis a palavra-chave da sequela assinada por Kelsey Mann. Se no primeiro filme, que lançou uma colorida curiosidade sobre o que se passa dentro da nossa cabeça, mostrando a aventura dos estímulos da mente perante o contexto de uma mudança de casa, cidade e escola, tal como vivida por uma menina de 11 anos, Divertida-Mente 2 vem falar de outro tipo de mudança, talvez mais aparatosa.
Digamos que essa menina, Riley, agora com 13 anos, está prestes a renovar involuntariamente o seu pacote de emoções. Em breve, a velha liderança da Alegria/Joy (com a voz de Amy Poehler), acompanhada pela Tristeza, Repulsa, Medo e Raiva, dará lugar a uma ultra controladora Ansiedade (Maya Hawke), que traz consigo a Inveja, a Vergonha e o Tédio - este último, devidamente chamado Ennui... Tudo acontece a meio da noite, quando soa o famoso alarme vermelho e o bonequinho cor de laranja da Ansiedade, de cabelo em pé e olhos arregalados, se lança sobre a mesa de controlo da mente de Riley, aos poucos revertendo o trabalho zeloso da Alegria, que sempre se preocupou em manter forte o sentido de identidade da menina, para isso afastando as esferas das más memórias e fazendo prevalecer as boas.
Como é que este cenário interior se reflete exteriormente? Bem, Riley está à beira de entrar no liceu, e nas últimas férias de verão antes dessa nova etapa vai com as duas melhores amigas - que são também as suas companheiras de equipa no hóquei no gelo - passar um fim de semana num campo de treinos, com uma prestigiada treinadora e uma equipa do secundário. O problema é que, a meio do caminho, ela fica a saber que as amigas não irão frequentar a mesma escola no próximo ano letivo: aí, a Ansiedade trata de lhe mover os interesses para outra rapariga - uma estilosa jogadora de hóquei que Riley admira -, de maneira a garantir-lhe um sentido de pertença. Ou seja, a “nova” Riley passa a preocupar-se mais com o desejo de impressionar e garantir o seu lugar num grupo, na perspetiva de futuro, do que com o seu verdadeiro “Eu”... Essa delicada construção que tantos esforços mereceu da Alegria.
Dores de crescimento
Divertida-Mente 2 é, por isso, uma experiência saudavelmente nervosa, que conduz à noção da importância de todas as emoções: não vale a pena julgar logo a Ansiedade como vilã. Acima de tudo, o que garante aqui a manutenção de um certo esplendor criativo é a comédia simpática das figurinhas coloridas conjugada com uma compreensão certeira de como funciona o nosso mecanismo emocional perante as adversidades normais do crescimento. Um aspeto que é digno de sublinhar, ou não tivesse Inside Out 2 passado pela consulta atenta de psicólogos. Quer dizer, o terramoto interior de Riley será tão elucidativo (e divertido) para os mais novos, quanto reconhecível para os adultos que lidam, ou lidaram recentemente, com a entrada dos filhos na adolescência, imaginando os fusíveis queimados dentro das cabeças em metamorfose.
Até agora com resultados de bilheteira muito animadores nos Estados Unidos, Divertida-Mente 2 acaba por puxar a Disney e a Pixar para a perceção essencial de que as suas melhores produções assentam numa notória sensibilidade inventiva. Foi assim com Toy Story e Up: Altamente, e continua a ser assim com esta segunda parte de uma ideia que soa tão bem no papel como nas imagens. Afinal, quem se lembraria de criar uma espécie de sala de comando, com emoções em forma de personagens, para explicar a misteriosa atividade do nosso cérebro? Desta vez até a emoção da Nostalgia - uma velhota meiga com uma chávena de chá na mão - dá um ar da sua graça. Certamente a sinalizar a própria nostalgia deste regresso ao fantástico mundo que se esconde por trás de uma lágrima, de um sorriso ou de um ataque de pânico. Com diversão q.b., lá se recuperam os laços quase perdidos com uns estúdios que provam ainda saber construir a fantasia a partir das pequenas coisas que nos tornam humanos.