Quando tentamos comparar os modelos dominantes nas plataformas de streaming e aquilo que foi o sistema de géneros (drama, comédia, musical, etc.) dos estúdios clássicos de Hollywood, talvez seja mais sensato dizer que não há comparação possível. Os estúdios viveram de matrizes que, com resultados obviamente diversificados, preservavam uma ideia de cinema sustentada por elementos narrativos específicos e rostos reconhecíveis de atores e atrizes. Agora, mesmo com exceções que importa não menosprezar, o “conceito” corrente esgota-se em cópias medíocres de formatos que já tiveram uma vida mais digna - assim acontece com o patético disparate que é De Volta à Ação, com Jamie Foxx e Cameron Diaz, com chancela da Netflix.Entenda-se: não se trata de demonizar as plataformas, muito menos ignorar a sua abertura para o aparecimento de filmes capazes de discutir os clichés dominantes. Emilia Pérez será um exemplo revelador: mesmo quem o considere um projeto encerrado numa retórica dramática simplista (é o meu caso), não pode deixar de reconhecer que o papel da Netflix na sua difusão tem sido determinante para o impacto já obtido na atual temporada de prémios (incluindo as sérias hipóteses que, segundo vários analistas americanos, terá nos Óscares).Por uma vez, o título português De Volta à Ação é fiel ao original (Back in Action). E não há dúvida que é isso que está em jogo. A sinopse dos acontecimentos é tão esquemática quanto previsível: Matt (Foxx) e Emily (Diaz) formam um par de espiões da CIA que conhecemos na cena de abertura, numa missão mais ou menos truculenta filmada com a agitação e o ruído de uma cópia menor dos melhores momentos de James Bond... Quinze anos mais tarde, reformados, com dois filhos, as heranças desse passado reaparecem, lançando-os numa nova aventura.... A vulgaridade das soluções - do grosseiro esquematismo dos diálogos até à penosa caricatura de pais e filhos - gera um desastre em segunda mão que, infelizmente, não poupa os esforçados intérpretes. Jamie Foxx parece compelido a uma cópia banal das suas origens na comédia, em particular no stand-up, enquanto Cameron Diaz se esgota numa cansada imitação da sua performance na edição “moderna” de Os Anjos de Charlie. Como se isto não bastasse, na última parte de De Volta à Ação surge a personagem de Ginny, mãe de Emily, também com um passado ligado à espionagem, que é apenas mais uma daquelas personagens sem qualquer espessura (cómica ou dramática) em que continua a ser esbanjado o imenso talento da veterana Glenn Close. Enfim, Seth Gordon, realizador, produtor e co-autor do argumento (com Brendan O’Brien), além do espalhafato dos efeitos visuais, não se pode queixar de falta de recursos humanos - é pena não saber o que fazer com eles. .'O Brutalista' - A América de todas as utopias .'Banzo' - Fantasmas do colonialismo