Daniel Libeskind. O arquiteto que acredita na vitória da luz

Autor de grandes projetos arquitetónicos um pouco por todo o mundo, Daniel Libeskind, nascido na Polónia do pós-Guerra, não esquece a função social e cívica da sua profissão. Esteve em Lisboa para falar do futuro Museu Judaico, mas também de Democracia e de... Fernando Pessoa.
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Afirma, sem pré-aviso à assistência, que a sua maior habilitação para se tornar arquiteto foi ter vindo ao mundo num refúgio para pessoas sem abrigo, filho de judeus que conseguiram sobreviver aos campos de concentração nazis. Nascido na Polónia em 1946, Daniel Libeskind, o homem que assim se apresenta, esteve em Lisboa na nova S+Academy, do atelier de Arquitetura Miguel Saraiva e Associados, para falar do futuro Museu Judaico de Lisboa, mas sobretudo da conceção particular que tem da profissão que escolheu. Uma conceção, pelo menos tão social quanto artística ou técnica: "Acredito na vitória da luz sobre as trevas", diz ao DN, "é por isso que, mesmo quando concebo um projeto tão carregado de memórias trágicas como o Museu Judaico de Berlim ou o Imperial War Museum de Manchester, penso no Génesis e no mandamento divino: Faça-se luz. A escuridão existe na História da Humanidade, e não a podemos ignorar, mas a luz prevalece sempre. É nisso que acredito - o que seria de mim se não acreditasse?"

Enquanto Libeskind fala à assistência, atrás dele, no ecrã do auditório, passam as imagens de alguns dos principais projetos por ele assinados, entre eles o One World Trade Center de Nova Iorque, no chamado Ground Zero, o Museu Militar de Dresden na Alemanha, o Museu Judaico de Copenhaga, o Royal Ontario Museum ou o Wohl Center da Universidade de Bar-Ilan, em Israel. Todos eles, espaços muito marcantes na malha urbana em que estão inseridos. "Os monumentos que nós amamos e com que nos relacionamos - diz-nos - não são apenas físicos, assentam na nossa memória dum lugar determinado. O Museu Judaico de Lisboa, em que estou a trabalhar em parceria com o atelier de Miguel Saraiva, usará materiais locais e a própria luz da cidade, que é notável, mas também assenta numa certa memória histórica, indissociável da identidade dum povo. Os museus não são apenas edifícios, são espaços onde se conta o que de bom e de mau foi acontecendo às pessoas ao longo dos séculos. Não acredito numa Arquitetura Alzheimer tal como não acredito que a História seja um assunto encerrado no passado. A História é presente e é futuro, estamos sempre a ter ocasião para o recordar." Do mesmo modo, não acredita em trabalhos de Arquitetura concebidos, de forma quase abstrata no sossego dum gabinete, e recorda a propósito a sua experiência no Ground Zero: "Poderia ter optado por só ter falado com as entidades oficiais e com os promotores do projeto mas não me pareceu que fosse correto. Falámos com a comunidade e ouvimos as opiniões mais diversas, desde as pessoas que, por respeito aos mortos e às famílias, diziam que se devia deixar o espaço deserto, às que, pelo contrário, achavam que se devia reconstruir as Torres Gémeas tal como elas eram. A Arquitetura não é uma tela em branco, mexe com muita gente. Pode ser provocadora mas nunca pode ser um foco de tensão permanente na paisagem."

Para Libeskind, a conceção de Arquitetura emerge das condições agrestes em que cresceu, primeiro no pós-Guerra e depois na Polónia comunista (até à adolescência, quando, com a família, emigrou para os Estados Unidos): "Uma cidade não é apenas um conjunto mais ou menos feliz de objetos, baseia-se também no invisível. Hoje não tenho dúvidas que os nazis queriam destruir a Polónia e os polacos até aos alicerces. E, no entanto, as cidades polacas ressurgiram depois desse aniquilamento porque assim o quiseram os sobreviventes." Outro legado destas origens perturbadoras é o valor que o arquiteto dá à liberdade: "Sou um defensor acérrimo da Democracia, que nunca dou por adquirida, porque sei o que é viver sem ela, em ditadura. Eu diria que o maior inimigo da Democracia é a indiferença com que as pessoas encaram o Outro. E a indiferença mata."

Embora tenha conquistado reputação internacional a conceber projetos monumentais, o arquiteto também tem no currículo a autoria de vários trabalhos de arquitetura civil destinados a habitação. "É uma grande responsabilidade social porque me recuso a tratar as pessoas como estatísticas e trato sempre de desorganizar a lógica das casas massificadas. Mesmo que se trate de habitação económica, procuro que cada casa seja diferente da outra, introduzindo um elemento diferenciador como uma porta ou uma janela. O grande teste que faço à qualidade do que faço é a resposta que dou à pergunta: Eu conseguiria viver aqui? Se a resposta for afirmativa é porque estou no bom caminho."

Apaixonado confesso pela obra de Fernando Pessoa e seus heterónimos, traz na bagagem a nova biografia assinada por Richard Zenith e vai levá-la de volta para Berlim, onde reside: "É uma obra extraordinária", diz. "Fala desta extraordinária Lisboa que não deveis tomar por adquirida." E adverte: "As cidades, tal como as pessoas, são muito vulneráveis."

dnot@dn.pt

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