Chantal Akerman na primeira pessoa - um filme-entrevista

Chantal Akerman (1950-2015), cineasta belga com uma obra fascinante, entre ficção e documentário, foi entrevistada por Gustavo Beck e Leonardo Luís Ferreira em 2010 - o filme <em>Chantal Akerman, De Cá</em> é o resutado prático dessa conversa.
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O cinema é também um labirinto de memórias, mais ou menos objetivas, por vezes visceralmente subjetivas. Permito-me, por isso, citar algo de que imediatamente me recordo ao descobrir o documentário Chantal Akerman, De Cá (estreia nesta semana). Ou seja, a presença da própria Akerman, cineasta belga, no Festival da Figueira da Foz do pós-25 de Abril para apresentar, por exemplo, o radicalismo pessoal e fascinante de um filme como Je, Tu, Il, Elle (1975).

Damos um salto no tempo e revemo-la, agora, neste documentário brasileiro, realizado por Gustavo Beck e Leonardo Luís Ferreira. Trata-se do registo de uma entrevista, em 2010, cerca de cinco anos antes do falecimento de Akerman (a 5 de outubro de 2015, em Paris, contava 65 anos). Dito de outro modo: estamos perante uma autora com uma obra imensa, desafiando as fronteiras convencionais de ficção e documentário através de títulos como D'Est (1993), sobre a Europa de Leste depois da desagregação da URSS, ou A Cativa (2000), singularíssima adaptação de Proust, produzida por Paulo Branco.

Infelizmente, os resultados estão profundamente limitados pela sobrecarga "formal" e "teórica" com que a entrevista é conduzida. Desde logo, pela ideia insólita, narrativamente gratuita, de registar a conversa num plano fixo de 60 minutos, a uma certa distância da entrevistada, porventura querendo "imitar" as experiências da própria Akerman em filmes como o admirável Jeanne Dielman (1975), com Delphine Seyrig - como se os dispositivos de filmagem fossem peças de uma mecânica que, seja qual for o contexto, existem e funcionam sempre da mesma maneira. Depois, convenhamos que não é possível estabelecer um verdadeiro diálogo quando as perguntas se apresentam como pequenas "teses" sobre o cinema de Akerman, de alguma maneira esperando que ela confirme o que lhe é sugerido...

Há alguma tristeza em tudo isto, quanto mais não seja porque ninguém discute a sinceridade da admiração que os realizadores nutrem pela cineasta, nem o empenho cinéfilo do seu empreendimento. O certo é que, quase sempre, vemos Akerman não exactamente a dialogar, mas a tentar "defender-se" das noções maniqueístas com que é confrontada, noções que, em alguns casos, ficam suspensas sem sequer gerarem uma pergunta...

Fica, por isso, a sensação de uma oportunidade em grande parte perdida, até porque há em Akerman a generosidade de quem aceita falar do seu trabalho, expondo as suas circunstâncias, os valores e as perplexidades. Apesar disso, saudemos a estreia de Chantal Akerman, De Cá, na esperança de que possa motivar novos espectadores para a sua obra.

* * [Com interesse]

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