César Mourão, na imagem com Júlia Palha, realizador sem medo num projeto feito com a SIC e a Prime.
César Mourão, na imagem com Júlia Palha, realizador sem medo num projeto feito com a SIC e a Prime.Direitos reservados

César Mourão: “Tive muita preocupação para não ter uma linguagem televisiva”

Uma estrela dos palcos e da TV sem medo de passar para trás das câmaras. Na comédia 'Podia Ter Esperado por Agosto', César Mourão atua e dirige um filme que quer ser 'blockbuster' na semana a seguir aos recordes de bilheteira de 'Divertida Mente 2', da Disney. Estreia-se amanhã.
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Em Podia Ter Esperado Por Agosto César Mourão convida o espectador a viajar até ao Soajo, no norte de Portugal, uma bela aldeia onde um sacristão (Mourão) vive atormentado pela paixão que tem por uma rapariga (Júlia Palha) de Lisboa que passa todos os verões na casa do avô. A estratégia do rapaz passa por criar um engodo para ela vir para o Soajo mais cedo, nem que para isso tenha de mentir.

Trata-se de uma fórmula de comédia romântica com mais intriga do que humor num filme que,às vezes, parece um anúncio ao Turismo de Portugal, mesmo quando no último terço se redime com alguma soluções de argumento e uma genuína inocência romântica. Nesta conversa, Mourão conta as razões pelas quais quis ser ele a realizar o filme.

Tem dito que é uma comédia romântica, mas Podia Ter Esperado por Agosto, tem também algo da dita comédia à portuguesa com todo o seu jogo de equívocos. Aceita isso?
Aceito, mesmo considerando que não é só a comédia romântica a ter os equívocos. Posso dizer que a meio da escrita chegámos a pensar em muitas alternativas. Confesso que seria fácil tentar ser diferente ou disjuntivo, tentando dar um final diferente àquilo que se perceciona como comédia romântica ou transformar a história a meio para outra coisa. No final, decidimos assumir que é uma comédia romântica com os seus padrões e a sua abordagem mais normal. Enfim, não quisemos inventar nada. Tentámos fazer by the book a comédia de enganos ou a antiga comédia de portas que se mistura com a comédia romântica.

Assume também que tenta ir pelos territórios de A Gaiola Dourada, de Ruben Alves?
Fiquei muito contente por ver o Ruben e a Rita Blanco na antestreia. Quando os vi pensei nisso, mas não é consciente, ainda que o facto de termos o Kevin Dias no elenco as coisas se misturem um pouco: ele é luso-francês… Mas atenção que ser comparado a esse filme deixa-me muito honrado. Na escrita e na execução não quisemos seguir esse caminho ainda que na abordagem do humor comparávamos um pouco com A Gaiola Dourada.

Quando o convenceram a ser o realizador deste projeto deu por si a pensar que agora estava a entrar num território novo, que estava a entrar no universo do cinema, tipo: “Olha-me este a querer ser cineasta”?
Pensei, pensei. A linguagem que tinha com o cinema era apenas enquanto ator. Mesmo aí estive sempre atento a tudo o que estava à minha volta. Sempre fui daqueles que perguntava qual a objetiva que se usava e o que será o plano antes… Ou por que é que a luz está ali, porque o enquadramento é esse. Encarei este desafio com muito respeito pela arte cinematográfica. As ideias mais arriscadas que se vêm no filme partiram da minha cabeça sem ter certezas, mas eram ideias que imaginei muito. O plano-sequência inicial foi muito um batalha minha. Tive muita preocupação para não ter uma linguagem televisiva. O problema é que os nossos orçamentos não abundam e muitas vezes as decisões são feitas em função da falta de orçamento. Muitas vezes poderia ter querido fazer uma cena com 8 ou 9 planos e tive de fazer com uns 4. Ainda assim, sinto que se sente uma abordagem mesmo de cinema. Aqui e ali temos realmente planos de cinema e o compromisso foi fazer os planos mais interessantes possíveis versus  o tempo e o orçamento possível.. Acredito que mesmo quem não seja desta área vai ver e sentir uma diferença em relação à estética da televisão.

Mas não acha que vai ser olhado de lado por vir, sobretudo, da televisão?
Sim e percebo, mas não é algo que me preocupe muito, nomeadamente nesta altura da minha vida. A verdade é que não estou com medo, mas claro que quando vi o Ruben Alves e outros realizadores na sala acabei por pensar nisso. Acho é que grandes realizadores portugueses, quando virem o filme, vão acabar por respeitar o nosso trabalho e o nosso rigor.. Não foi, de todo, filmado à balda e ninguém pode dizer que foi feito com falta de empenho. Não fizemos este filme à pressa, apenas em duas semanas e com o meu nome para encher salas.

E a parte romântica de ser realizador de cinema? De ter feito uma longa-metragem? Já se tinha imaginado nesta situação?
Quando me chamam realizador ainda acho meio estranho, mas não escondo que não tenha sonhado um dia em realizar para cinema, ser cineasta. É o tal romantismo, mas há aqui um processo muito natural. Por trabalhar com improviso há muita gente que não imagina que em tudo o que faço há planificação, em especial com as marcações e com o texto. Sou um obcecado pelo raccord! Não me interessava fazer apenas qualquer coisa. O que está ali é o meu gosto. Além do mais, tive uma equipa muito competente comigo.

Muitos do meio do cinema reclamam com o proliferar de planos com drones. O seu filme está cheio de sequências filmados por drone…
Tivemos muitas dúvidas se trazíamos para o cinema drones. De início, não queria e decidiu-se não usar, mas a dada altura percebemos que para a cena inicial era importante um drone para se perceber a dimensão e onde estaria situado aquele cemitério. E não fomos para um drone  qualquer, recorremos à pessoa que melhor opera drones  em Portugal.

Há drones e drones?
Não se sente o drone a abanar muito, tivemos esse cuidado e rigor. Não foi nada barato… Depois de o termos na mão experimentámos algumas coisas, mas tudo de drone  que aqui aparece é narrativo e não apenas para mostrar o Soajo.

O facto de ser mais velho do que Júlia Palha foi uma reticência na altura do casting?
Obviamente que foi uma reticência na escolha, mas até agora ainda ninguém protestou, coisa que atesta a minha juventude… Quando fiz na SIC o Vale Tudo, com ela, percebi que, em cena, tínhamos uma química interessante. Na altura, na fase de escrita, confesso que nem pensámos nas idades. Quando fiquei eu o protagonista ainda disse: espera lá, sou muito mais velho do que a Júlia; como fazemos!? Quis ouvir - sou uma pessoa muito de ouvir - e todos os envolvidos no filme me disseram para não pensar nisso, que isto ia passar na boa. Sou honesto, não sinto no filme isso da diferença de idades [como] algo tão marcado.

Sente que a marca César Mourão chega a todos os segmentos de público? Ou pode haver aquele público dos 20 que já não adiram tão bem ao seu humor? Antes de mais, há uma marca César Mourão?
Isso não sei, mas o meu humor não é de punchline  ou de piada sobre piada. É mais um humor que está na situação e foi assim em quase tudo. Esperança  também tinha comédia e não era uma comédia de gargalhada, tal como este não é um filme de gargalhada. Por outro lado, não tenho medo da palavra comercial e em Portugal ainda há uns pruridos com essa palavra. Para mim, comercial é obviamente chegar a todos com o mesmo rigor e profissionalismo. Há vários tipos de comercial, o meu é no maior respeito pela palavra e na minha transversalidade para todas as idades e extratos sociais. Quanto ao público dos 20 era uma preocupação, mas a Júlia põe-nos mais perto dele e eu não me sinto ostracizado por esses jovens.

Acredito que o seu desejo é que o filme seja visto, sobretudo, pelas pessoas que já não vão ao cinema…
Quero chamar as pessoas que costumam ir ao cinema, mas sei que o importante é chamar aquelas que já não vão, sobretudo numa altura em que há menos gente a ver filmes nacionais.

E não fica algo pasmado quando recentemente comédias como O Pai Tirano ou o Um Filme do Caraças têm números fracos?
Eu não tenho esses dados para responder concretamente. Sabes que, no geral, as pessoas estão a ir cada vez menos ao cinema. Atenção, não estou a dizer que é com o meu filme que as pessoas vão voltar às salas. Por outro lado, há filmes que alavancam outros. Se este resultar talvez ajude outros filmes... Ainda no outro dizia ao Markl que nós, em Portugal, temos a tendência para combater uns contra os outros. Temos de nos unir e alavancar-nos uns aos outros. Este filme pode fazer este trabalho. Deus queira que o faça!

Tem noção de que uma versão para cinema da série Esperança era bem mais apetecível?
Já tinha pensado nisso e está no meu horizonte. Mas para fazer aquela personagem são muitas horas de caracterização e não se consegue fazer em cinco semanas. As pessoas têm de ter a noção de que um orçamento maior dá mais tempo, mais qualidade.

O seu grupo de humor de improviso, os Comédia à la Carte, continua a esgotar temporadas e já chegou ao Meo Arena. Será que o próximo caminho é agora um estádio?
Essa é a conversa que estamos a ter agora, mas para, se calhar, depois, nunca mais fazermos mais nada. Ou seja, ser o nosso último espetáculo de sempre.

Aquela coisa de sair em beleza?
Sair em beleza - tudo tem uma finitude. Falo com eles todos os dias sobre isso.

Que tipo de humor nacional o faz rir? Está atento aos fenómenos Geirinhas ou Pôr-do-Sol?
Acho piada a muita coisa. O Guilherme e a série Pôr-do-Sol fizeram-me rir! Até fico com um pouco de inveja: por que é que não sou eu!? E admiro muito pessoas como o Bruno Nogueira, o Ricardo Araújo Pereira ou o Salvador Martinha.

Já agora, a cultura woke está a matar o humor?
Não! Sinto que está a tornar o humor inclusivo e a levá-lo para outros temas. A matar não está mesmo, apenas a torná-lo diferente.

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