Cameron: Um diretor de atores

No cinema de James Cameron os atores afinal têm um papel fulcral. É da sua câmara que nascem papéis iconográficos para atores como Sigourney Weaver, Jamie Lee Curtis ou Linda Hamilton...
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No universo do cinema de James Cameron vem-nos primeiro à cabeça a espetacularidade do desenho das sequências, o avanço tecnológico, a escala inovadora ou a excelência do storytelling. Isso e muitas outras proezas. Talvez só depois comecemos a pensar nos atores. Mas é James Cameron um diretor de atores? À sua maneira, é um grande diretor de atores!

Um olhar mais atento talvez reconfigure essa possibilidade. As interpretações dos seus atores acabam por se tornar elementos elegantemente invisíveis de todo um processo orgânico. E, ao longo dos anos, começa a haver um património significativo e relevante de interpretações icónicas de alguns atores, uma espécie de clube de James Cameron, alguns deles quase exclusivos, como parecem ser os casos de Robert Patrick e Linda Hamilton.

No caso de Patrick, o vilão de mercúrio do segundo Terminator, a sua impassibilidade, o registo glaciar e a não-humanização fizeram dele um símbolo, um primeiro símbolo, de uma ideia de fusão entre acting e efeitos digitais.

Robert Patrick imortalizou-se, mas também Linda Hamilton, mulher de armas, cuja força e vigor fizeram de Sarah Connor outro ícone da ficção-científica global.

Nesse aspeto, o deslumbramento de vermos Sigourney Weaver como Ripley em Aliens, atinge um aperfeiçoamento dessa ideia de consagrar ao feminino a potência do gesto de heroísmo. Na sequela de Alien, Cameron fez de Sigourney um busto imperial dessa afirmação bélica feminina. A atriz agarrou a oportunidade com uma fragilidade que era também tenaz, resistente e memorável. Uma odisseia de suor e sacrifício com nuances de sensualidade suja. Ainda hoje a Ripley de Aliens é intocável. Cristalizou-se no tempo, ao ponto de no novo Predador, Prey, Amber Midthunder reclamar essa herança de action hero no feminino.

Em 1994, o realizador-cientista voltava a filmar um corpo feminino em cólera. Fazia-o como humor. Era Jamie Lee Curtis a confundir a objetivação do corpo da mulher com ironia. Estávamos numa sátira de ação absolutamente revolucionária chamada A Verdade da Mentira, confirmação da agilidade de um cineasta que com grandes meios não se perdia e deixava uma marca de autor, neste caso de screwball comedy. E Jamie, prestes este ano a ter glória nas nomeações com Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo, era preciosa nos detalhes. Sentia-se uma atriz a divertir-se num jogo de máscaras e apelo erótico. Hoje era impossível isso passar...

Com Avatar, Cameron levou mais longe a questão do lugar virtual do ator. Revolucionava a captação de movimento digital, oito anos após Senhor dos Anéis - A Irmandade do Anel, de Peter Jackson. As expressões de atores como Sam Worthington ou Zoe Saldaña eram, em boa verdade, muito mais do que um mero resultado de animação ou proeza técnica. O filme recordista de bilheteira tinha atores a sério, mesmo que nem sempre em carne e osso, o mesmo que acontece agora com Avatar - O Caminho da Água do qual se espera uma Kate Winslet aquática a elevar o jogo. Enfim, Cameron, no fundo, está com os atores.

dnot@dn.pt

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