Brian Wilson aos 80 anos - o Beach Boy que não gostava de praia
Considerado por muitos como um génio criador, foi de facto Brian Wilson (n. 20 jun. 1942) quem escreveu e produziu os maiores êxitos que tornaram os Beach Boys mundialmente famosos, no início da década de 60 do século XX. Surfin" U.S.A. (1963),(1) I Get Arround (1964), Fun, fun, fun (1964), ou a icónica Good Vibrations (1967), são exemplos, entre muitas outras canções, do que viria a designar-se como California sound, tão bem personificado nos Beach Boys: músicas festivas com ritmos de dança, acompanhadas com o som elétrico das guitarras, cujas letras juvenis versavam temas de férias e praia, surf e "miúdas", carros e motos, abordados maioritariamente do ponto de vista masculino.
Aos 19 anos Brian fundou, com os seus dois irmãos - Dennis (1944-1983) e Carl (1946-1998) - juntamente com o primo Mike Love (1941) e o amigo Al Jardine (1942), aquilo que poderia ser apenas uma efémera banda de garagem, mas que viria a tornar-se num estrondoso caso de sucesso comercial, imprimindo aos seus elementos um ritmo de vida alucinante, determinante nas respetivas carreiras.
Extremamente dotado e talentoso, Brian não só escrevia a música, como também fazia os arranjos instrumentais e vocais, tocava diversos instrumentos e cantava - no seu famoso registo de falsete - ensinando a cada um o que e como tocar ou cantar a sua parte. Compunha ao piano e, apesar de escrever algumas letras, preferia ter um parceiro que o fizesse, trabalhando em conjunto com ele. Em estúdio era também Brian quem planeava, executava e decidia muito do que lá se produzia. Desde cedo, este rapaz tornara-se exímio na criação de harmonias vocais - inicialmente cantadas no quarto com os irmãos, reproduzindo arranjos profissionais de canções da rádio - as quais marcariam a sua obra musical e definiriam o som dos Beach Boys.
Apesar de um percurso recheado de sucessos e do amplo reconhecimento público, a vida pessoal do artista não foi um mar de rosas. Com a franqueza que o caracteriza, numas memórias de 2016 (I am Brian Wilson, com Ben Greenman), o autor revela aspetos da infância que o marcaram para o resto da vida, nomeadamente a prepotência do pai e as tareias que dava aos três rapazes Wilson, a surdez quase total de um ouvido, desde criança, que o impediria de trabalhar com a novíssima e promissora estereofonia, mas também as suas fragilidades psicológicas e a sensibilidade artística e emocional, que o punham num patamar de vulnerabilidade inimaginável enquanto Beach Boy - além da sua aversão à praia.
Depois do álbum de estreia da banda, em 1962, e do sucesso fulgurante que se seguiu - dois discos (LP) de ouro e um de platina em 1963 e outros três de ouro no ano seguinte - não será de espantar que Brian Wilson tenha tido o seu primeiro esgotamento nervoso pelos 22 anos, abandonando as atuações com o grupo e dedicando-se a escrever e gravar novas canções. Mas a sua instabilidade mental levava-o a procurar refúgio nas drogas da moda, cada vez mais acessíveis, agravando a sua situação pessoal e fazendo-o entrar numa escalada de consumos que aumentava a sua toxicodependência.
A degradação de Brian foi tal que alguns próximos chegaram a dá-lo como irremediavelmente perdido, mas entrou em cena um tal Dr. Landy (1934-2006), conhecido por conseguir bons resultados com pacientes em situações idênticas, o que, a médio prazo - e com muito sofrimento de Brian - acabou por resultar em claras melhorias. O músico voltou a ter uma vida normal durante algum tempo, até decair novamente, pelo que o Dr. Landy acabou por ser contratado de novo. Desta vez o psicólogo tornava-se mais abusivo e intrusivo, cobrava exorbitâncias e exercia uma vigilância prepotente, sequestrando o doente, medicando-o em excesso e limitando a sua capacidade de tomar decisões. Para além de tudo, imiscuía-se na privacidade de Brian, assinava contratos em seu nome e interferia nos seus trabalhos artísticos. Apesar da dimensão do escândalo, não foi fácil pôr um ponto final naquela dura etapa da vida do músico, mas quando finalmente tudo terminou, com a intervenção da Justiça, o terapeuta ficou proibido de voltar a exercer a profissão.
A pouco e pouco Brian foi-se reequilibrando e voltou à atividade musical, não só criando novas canções, mas também retomando anteriores êxitos e regressando aos palcos, agora sem os seus irmãos, entretanto falecidos. Devido a conflitos com o primo, durante uma certa época chegou a haver três distintas bandas Beach Boys, cada uma encabeçada por um membro fundador: uma formada pelo controverso Mike Love [que atuará em Portugal a 1-07-2022], outra formada por Brian Wilson - que posteriormente trocou o nome da banda por uma carreira a solo - e a terceira por Al Jardine com o seu próprio filho, Matt (1966), e as duas filhas adultas de Brian, Carnie (1968) e Wendy (1969).
No início do século XXI Brian, sexagenário, abraçava com tremendo êxito uma carreira a solo que possivelmente nunca tinha planeado. Os sucessos e tragédias desta figura lendária, indissociável da icónica banda de que foi a semente e o motor, encontram-se documentados em inúmeros livros, artigos, entrevistas e documentários, nomeadamente no filme Brian Wilson: Long Promised Road (Brent Wilson, 2022). Acresce a sua discografia a solo que, desde 2000, inclui nove álbuns de estúdio, três ao vivo e uma antologia. Admirado pelo público, pelas instituições culturais americanas e pelos seus pares - entre os quais, estrelas mundiais como Paul McCartney, Bob Dylan ou Elton John - Brian Wilson continua a fazer digressões, presentemente com a participação de Al Jardine e membros da mítica banda Chicago (jun./jul. 2022).
Sobre a sua forma de compor grandes êxitos tem afirmado, enigmaticamente, "a little bit of mystery and a little bit of magic", ingredientes que talvez possam também explicar o fenómeno da sua mágica e algo misteriosa longevidade artística.
dnot@dn.pt
Flautista
(1) Brian Wilson recriou Surfin" U.S.A. a partir de uma canção de Chuck Berry (1926-2017).
NOTA: Artigo corrigido às 8h21 de 20 de junho. Por lapso, o artigo original foi ilustrado com uma foto de Al Jardine