Bradley Cooper: “Bernstein obrigou-me a olhar para o cinema de uma nova maneira”
Ainda nas salas, mas também na lista dos mais vistos na Netflix no mundo inteiro. Maestro, a história de amor entre o maestro e compositor Leonard Bernstein e a atriz Felice Montealegre, é uma obra-prima do cinema contemporâneo americano. A confirmação de Bradley Cooper como cineasta de mão-cheia após a obra de estreia milagrosa que foi o remake de A Star Is Born, Assim Nasce Uma Estrela.
Agora, depois da polémica do nariz com prostético para ficar cara chapada do maestro que nunca deixou de gostar de homens; das nomeações para os Golden Globes e das mais do que prováveis nomeações para os Óscares no próximo dia 23, Cooper e Carey Mulligan reuniram-se há uns dias com alguma da imprensa internacional numa videochamada. Uma conferência com um Bradley Cooper em Nova Iorque e Carey do outro lado do Atlântico, em Inglaterra.
“Depois de Assim Nasce Uma Estrela não sabia se alguma vez iria voltar a realizar, quanto mais a escrever um filme, neste caso a meias. Quando me perguntam se foi consciente o meu segundo filme ter de novo a música como protagonista, digo sempre que não. O que é certo é que este projeto apareceu e eu adoro dirigir música. Aliás, a música foi mesmo o ponto de partida de ambos os projetos – também adoro tocar guitarra, embora seja, de facto, obcecado por orquestras. Curiosamente, em termos de histórias, há outro ponto comum: há nos dois uma história de amor”, começa por disparar Bradley, que nesta altura é o grande favorito na temporada dos prémios para melhor interpretação masculina.
“Muito honestamente tudo nesta pesquisa sobre o Leonard me deixou surpreendido. Não cheguei a este projeto com uma ideia feita sobre quem era este homem. Tudo acabou por ser uma descoberta. Fiquei espantado como alguém como ele pôde ser tão frustrado, na medida em que era tanta coisa de uma só vez. Impossível de o catalogar ou de o colocar numa caixa. À medida que o ia descobrindo, mais surpreendido ficava, mas, ao mesmo tempo, era ridiculamente consistente com a sua própria essência. O Leonard obrigou-me a olhar para o cinema de uma nova maneira, em especial no que toca à narrativa cinematográfica. Obrigou-me a olhar para o ritmo de forma diferente. Para contar esta história tive de me expandir artisticamente”, adiantou.
O apoio dos filhos do casal
Ao seu lado, muito atenta, Carey Mulligan, salienta que foi importante terem filmado esta história de casal na casa de Fairfield de Felicia e Leonard. Um sentido de intimidade que mais real era impossível: “Foi ainda primordial, lá em casa deles, a equipa técnica ter sido reduzida ao essencial. O Bradley conseguiu tanta informação valiosa. Foi mesmo uma experiência íntima! Os filhos e toda a família foram de uma grande generosidade para todos nós. Senti pessoalmente que me abraçaram fortemente, coisa mesmo genuína desde o primeiro momento. Os filhos têm um amor enorme pelos pais. Tive consciência, junto deles, de toda a minha responsabilidade por estar a interpretar a mãe tão amada. Eles foram muito queridos para mim, fizeram-me sentir parte da família.”
Bradley olha para o ecrã e pergunta à colega atriz se ainda se lembra da cena da discussão do casal no Dia de Ação de Graças, lembrando que ele e Josh Singer, o coargumentista, escreveram esse diálogo logo no começo do desenvolvimento do projeto. “Claro que me lembro”, responde, e recorda: “Enviaste-me a cena mal a escreveste”. “Na verdade, demorámos apenas 20 minutos a escrever toda a cena. Quando foi o dia da filmagem desse momento, os diálogos já estavam totalmente decorados. Foi uma daquelas coisas! Parecia teatro, era como se tudo já estivesse nos nossos corpos. É a Carey quem comanda toda a cena, sabia-a de cor... Para a construção do filme era importante, também, que fosse um plano aberto”, intromete-se Cooper.
Recusa da imitação
Mais do que uma vez nesta conferência, o realizador-ator-argumentista, insiste na importância de ter sido ele próprio a conduzir as cenas de orquestra: “Nunca quis fazer uma imitação”, repete. Como realizador, deixa outra confissão: “Quando realizo estou sempre a pensar como é que o espectador vai reagir a cada cena. Para mim, o espectador é uma personagem. Por isso, nas discussões optei por grandes planos. Close-ups separados. De resto, há muitos planos gerais, até porque há o aspeto voyeurístico da natureza pública da vida daquela família. A Felicia e o Leonard partilham sempre o enquadramento, exceto quando estão a discutir. Quando, em criança, via os meus pais a discutir não me sentia seguro. É daí que isso vem. O meu objetivo é que as pessoas se esqueçam de que estão a ver um filme. Os filmes de que mais gosto são aqueles que me fazem esquecer de que estou a ver cinema e, quando tomo consciência, nem quero saber que tenham existido câmaras e equipas por detrás daqueles momentos. Fico devastado quando vejo fotografias do Coppola nos bastidores de O Padrinho e tomo consciência de que aquilo não era real”.
Sobre a sublime cena em que vemos Lenny Bernstein em Ely a dirigir na Catedral a 2ª Sinfonia de Mahler, é mesmo Cooper sem cortes a conduzir a peça: “O mérito é todo da Orquestra Sinfónica de Londres e da habilidade que todos tiveram em se ajustar a mim! Mais do que nunca, eu aí quis captar o espírito de Lenny sem a minha identidade como maestro, coisa que já faço desde criança. O desafio aqui era encontrar uma fusão entre mim e o Lenny, fosse através da caracterização, fosse através da voz ou de tudo o resto. Com o Chris Kyle do American Sniper. O processo foi o mesmo.”
Parceria com Spielberg
Há um rumor persistente a indiciar que Bradley Cooper volta à cadeira de realizador já para o ano. O projeto chama-se Is This Thing On? e terá como protagonista o próprio Cooper e o amigo Will Arnett, mas antes, ainda terá de ser a estrela da nova atualização de Bullitt, projeto de Steven Spielberg, que juntamente com Martin Scorsese, foi um dos produtores deste Maestro.
A dada altura, de forma cavalheiresca, Bradley pede desculpa, mas tem de se ausentar: deveres parentais, há uma chamada da escola da filha. Uma prioridade que Carey compreende e, meio a brincar, diz que se sente mais à vontade para poder falar do filme sem o realizador ao seu lado. Da pesquisa sobre a sua personagem, o que a marcou mais foi uma entrevista onde Felicia confessava que o que lhe custava mais, sob a capa da “mulher do grande maestro”, eram os deveres dos bastidores: “Ela sofria com as longas esperas, por isso acabou por fumar muito.
Nesse mundo ela encontrou uma maneira muito serena de lidar com todo aquele furacão, mesmo sem ser uma mulher passiva. Pelo que pude perceber, tinha sempre muito a dizer, era muito opinativa sobre tudo. Na minha cabeça, não era uma pessoa silenciosa, mesmo que em muitos lugares ou circunstâncias tivesse de estar ‘quietinha’.”