Será trendy hoje os produtores apostarem no género do body horror - dá sempre a ideia de que se trata de cinema de género "inteligente" ou, no mínimo, com profundidade. Terá sido David Cronenberg a inventar esta variação? Talvez dê jeito acreditar nisso, sobretudo quando muita da imprensa especializada tenha espalhado o termo e glorificar esse terror a partir do corpo. Mas é bem verdade que muito do seu cinema interroga-nos perante os limites do nosso corpo, do prazer à dor. No body horror é do corpo que nasce uma noção do medo. É dentro de nós que pode estar o mal ou uma ideia transformativa. Os melhores filmes deste campeonato são aqueles que deixam perfume de ilusão que um corpo em cinema é uma extensão de um ser diferente, de uma outra possibilidade, mesmo quando por vezes seja todo um processo psicossomático..Dos cultores do body horror, desde Grave/Raw, em 2016 que Julie Ducournau parece ser uma das pontas-de-lança desta incisão cinematográfica. O ano passado venceu Cannes com um body horror que era um espelho das novas identidades e sexualidades, o "infame" Titane. Sempre assumiu ser fã, fanática e influenciável por David Cronenberg. No recente Festival de Marraquexe disse mesmo que é um dos cineastas fundamentais..Na última palavra do body horror está também o Brasil com o filme que chocou o Festival do Cairo, Tinnitius, com a portuguesa Joana de Verona a sentir "algo" de novo no seu corpo. A assinatura é de Gregório Graziozi..Se olharmos mais para trás e a convocar uma poesia sádica está um dos clássicos do género, Debaixo da Pele, de Jonathan Glazer, o papel da vida de Scarlett Johansson, no papel de um "alien" que descobre o fascínio do corpo feminino. Nesse sentido, é uma masterclass tudo o que daqui sai sobre os limites das nossas metamorfoses..Todavia, aqueles filmes que querem ir na onda da mera moda são os que mais desiludem. Por exemplo, Earwig (inédito entre nós), de Lucile Hadzihalilovic, que tentava arrepiar e jogar metáforas com uma dentadura de gelo numa criança bizarra. Ou seja, o body horror é um brinquedo tramado em mãos erradas..E será que para além do terror e do sinistro podemos falar de body horror? Muitos acham que a claustrofobia e desespero de A Baleia, de Darren Aronovsky, é descendente deste género e, de alguma forma faz sentido, sobretudo quando se trata de um filme onde há uma personagem aprisionada ao horror da sua própria monstruosidade. E até Till, de Chinoye Chukwu, melodrama racial de estúdio tem um assumido interlúdio de body horror - ou o corpo como câmara dos horrores da miséria humana... Tendência ou não, o body horror imiscuiu-se dentro do terror mainstream, ora veja-se a maneira como a pele envelhecida é tratada nesse fundamental X, de Ti West..Para quem quer entrar neste jogo conceptual da representação corporal como fonte dos extremos, eis alguns títulos válidos, alguns deles clássicos intocáveis: Dentes (2007), de Mitchell Litchtenstein; O Protegido (2000), de M. Night Shyamalan; Ossos e Tudo (2022), de Luca Guadagnino; Trouble Every Day (2001), de Claire Denis; Na Fronteira (2018), de Ali Abbasi, Cordeiro (2021), de Valdimar Jóhansson. Importante nisto tudo: um bom body horror não pode ter torture porn, como na série Saw ou nos filmes de Eli Roth....dnot@dn.pt