'Big Sky': sequestros no Montana pelo criador de 'Big Little Lies'

A mais recente série de David E. Kelley vai chegar nesta terça-feira ao Disney+. Um mistério investigado por mulheres que é a primeira grande aposta do Star, o novo espaço de entretenimento daquele serviço de <em>streaming</em>.
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São "tempos de pandemia", alguém diz. Mas não há distanciamento social e máscaras nem vê-las. Num ou noutro gabinete, lá espreita um dispensador de álcool-gel em cima da secretária, para dar um ar verosímil à coisa, mas, quando se entra num bar, não se vislumbra qualquer indício de regras sanitárias, e até uma luta máscula entre duas mulheres tem o condão de pôr os clientes mais juntinhos à volta do enérgico acertar de contas. A briga é entre Jenny (Katheryn Winnick) e Cassie (Kylie Bunbury), por causa do ex-marido de uma delas que anda metido com a outra.

E Big Sky, a série em que este espetáculo de mulherio assanhado acontece, foi das primeiras produções com calendário de rodagem durante a pandemia - aqui, trata-se de uma doença sem nome, referência mais ou menos esporádica que só serve para picar o ponto.

Claramente, a covid-19 foi inserida às três pancadas nos planos de David E. Kelley. Apenas isso explica o improviso que se sente nesta alusão vaga, ainda por cima com algo de extemporâneo à narrativa. Em entrevista à The Hollywood Reporter, o produtor disse que a equipa achava que a pandemia iria ter um fim antes de Big Sky ir para o ar. "Ela está em curso na série, mas caminhámos numa linha muito delicada. Não nos deixámos imergir no mundo covid. Tentámos que não ditasse o enredo." A questão é que nem precisava de lá estar...

Sem estrelas como Nicole Kidman e longe dos ambientes endinheirados de Big Little Lies e The Undoing (com quatro nomeações para os Globos de Ouro), as séries anteriores de Kelley, Big Sky surge como entretenimento mais preguiçoso de um nome que tem vindo a ganhar prestígio. Ainda assim, há boas vistas e uma história com o suficiente para segurar a curiosidade. Troca-se Los Angeles e Nova Iorque pelas estradas do Montana, rodeadas de beleza natural - montanhas pintadas de branco e florestas perenes -, reconfigura-se as linhas do thriller no âmbito de uma pequena cidade, e o resultado é um conjunto de personagens envolvidas num mistério que, em última instância, tem o toque de psicanálise que caracteriza as outras produções de Kelley. A saber: há homens com sérios problemas com a mãezinha. E as mulheres estão prontas para resolvê-los à sua maneira.

Baseado no romance The Highway, de C.J. Box, Big Sky começa por apresentar o referido triângulo amoroso de Jenny, Cassie e Cody (Ryan Phillippe), colocando a agulha sobre a intimidade que levanta fervura depois da rixa entre as duas mulheres. Já na estrada local, com pose pachorrenta, encontramos o polícia Rick Legarski (John Carroll Lynch a divertir-se à brava naquele falso registo de homem simples da comunidade), em serviço rotineiro a ajudar, com conversa amigável, um condutor a tirar o carro de uma poça enlameada na berma da via. Nestas apresentações do primeiro episódio, segue-se Ronald (Brian Geraghty), um camionista solitário, de trinta e tal anos, ainda a viver com a mãe. E, por fim, duas jovens irmãs em viagem para ir visitar o namorado de uma delas, que acabam sequestradas depois de uma avaria no carro a meio da noite. É a partir daqui que as personagens dispersas se vão ligar.

Jenny, ex-polícia, e Cassie, detetive privada, põem de lado a animosidade e atiram-se juntas à investigação do paradeiro das jovens, numa corrida contra o tempo. Ao fazê-lo, descobrem que aquilo que parecia ser um fenómeno isolado numa cidade pacata é, afinal, um de entre vários casos de sequestro que nunca tiveram atenção mediática. Porquê? As mulheres desaparecidas são invariavelmente prostitutas, e o esquema de rapto está ligado a uma paragem de camionistas... Sim, Ronald - o camionista cuja mãe, com o seu sorriso condescendente, parece saída de um filme de terror - tem mesmo qualquer coisa que ver com o assunto. Mas não é chapa cinco que seja o vilão.

Na verdade, se há algo que Big Sky conserva de uma certa técnica de David E. Kelley é o jogo de ambiguidade de algumas personagens, que permite movimentar as sombras e permanecer-se agarrado a um fio de dúvida. No entanto, a principal "marca de autor" ainda é a união feminina e os frutos que ela pode dar. Foi isso que conferiu seiva aos episódios do muito bem-sucedido Big Little Lies, e que procura garantir a qualidade mínima deste título a marcar o arranque de um novo espaço de séries e filmes no Disney+.

Ao lado de Big Sky, ficam também disponíveis na área Star do serviço de streaming as novidades Love, Victor, série dos mesmos argumentistas de Love, Simon, inspirada nesse filme que encaixa a descoberta da homossexualidade num registo de comédia romântica mainstream; Solar Opposites, série de animação com uma família de extraterrestres a viver nos Estados Unidos; e Helstrom, minissérie de dez episódios baseada em duas personagens do universo Marvel, os irmãos Daimon e Satana Hellstrom, filhos de um serial killer.

Já para quem gosta de repetir doses, ou quer apanhar aquele sucesso televisivo que deixou fugir na altura, há séries bem conhecidas do público, como Anatomia de Grey, Perdidos, Uma Família Muito Moderna, Donas de Casa Desesperadas, e filmes que vão do Grand Budapest Hotel, de Wes Anderson, à saga Die Hard.

A particularidade deste novíssimo espaço é que alarga o espectro da oferta no catálogo Disney+ (por definição, associado a conteúdos familiares), criando um perfil direcionado para os adultos. Daí que todo um protocolo de navegação segura esteja associado ao Star, reforçando-se as medidas de controlo parental. Recorde-se que este controlo já começara a ser aplicado a alguns clássicos de animação da Disney, retirados do alcance de menores de 7 anos devido a estereótipos "ofensivos". Caso para dizer que, agora sim, justifica-se a precaução: está aí a sala Disney para entretenimento dos adultos.

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