O telefone tocava mas Yancy não atendeu. Estava a beber rum, sentado numa espreguiçadeira de plástico”... a desfrutar da sua “modesta vista do pôr do sol”. A imagem do ócio em dia de verão surge assim descrita no romance Bad Monkey, de Carl Hiaasen, e vemo-la quase fielmente retratada nos primeiros minutos da série homónima, com Vince Vaughn de óculos escuros e camisa de padrão havaiano a apreciar a fauna circundante num vagar sereno, não fosse o barulho da construção da vivenda ao lado, que em tudo ameaça desestabilizar o espírito e ordem daquela paisagem de Florida Keys. Vaughn interpreta Yancy, bem entendido, detetive suspenso da polícia de Miami por uma ação pouco ortodoxa contra o marido da amante, e alguém cujo referido momento pacífico não define a postura em geral: à semelhança do autor do livro na origem da série - que é um jornalista, nascido e criado na Florida -, Yancy vive desassossegado com a falta de consciência ecológica e desenfreada cultura comercial que está a destruir o modo de vida na região.De resto, há um motivo óbvio para sublinhar o facto de Bad Monkey (em estreia amanhã na Apple TV+) ser uma adaptação: o tom espirituoso desta excelente ficção televisiva começa na marca literária dos romances policiais de Hiaasen. Tanto assim que o cartaz mantém o nome do escritor por baixo do título, em estilo de aceno aos fãs. Concebida por um dos showrunners do sucesso Ted Lasso, Bill Lawrence, estamos perante um divertido thriller que, em ambiente veranil, consegue misturar sátira arejada com um esboço de drama sem desequilibrar a proposta. Isso e a voz áspera de um narrador que garante a justa distância irónica através de pequenas intervenções.Mas recuemos. Quando Yancy/Vaughn aparece em cena, a beber descansado o copito de rum, já o espectador sabe que aqueles minutos vão ser interrompidos. Neste caso, pelo seu melhor amigo e colega, Rogelio (John Ortiz), que traz notícias sobre um braço humano pescado no mar, com o dedo do meio rigidamente esticado... Esse membro - de que a polícia se quer livrar o mais depressa possível, por dar má imagem para o turismo local (o mesmo problema causado pela barbatana pontiaguda no Tubarão de Spielberg) - torna-se então a desculpa perfeita para o detetive de Vaughn tentar um regresso ao seu posto, aventurando-se numa investigação que vai dali às Bahamas. O que se passa nas Bahamas? Digamos apenas que há negócios obscuros com propriedades a serem compradas à força para resorts de luxo, envolvendo um pobre pescador e o seu macaco, que foi treinado, segundo se acredita, no “último filme de piratas de Johnny Depp”. Se dúvidas houvesse, é ele o “bad monkey” e isto está tudo ligado.Pelo meio, o protagonista andará a passear o braço decepado numa arca com gelo (quando não se encontra no seu próprio congelador) e a namoriscar a rapariga da morgue, enquanto a ex-amante se mete em trabalhos com as autoridades e ele luta para recuperar a profissão que ama... Uma mescla de absurdo e graça só compatível com o cargo de inspetor de restauração que terá de assumir para poder recuperar o seu cargo original. Ele que, para fazer a coisa certa, percorre sempre as vias erradas, seja debaixo do sol da Florida ou nos ares tropicais das Bahamas..Vince Vaughn na melhor forma.Da mesma maneira que Ted Lasso deu uma segunda vida a Jason Sudeikis, revelando um ator que parecia quase banal na rotina das comédias, Bad Monkey vem lembrar-nos que Vince Vaughn é um intérprete de grande estatura. Em parte, porque o material em causa lhe assenta que nem uma luva: desde o vício de tagarela ao ímpeto desengonçado com que tenta apanhar criminosos, o charme deste detetive tem aquele brilho singular que só os atores com carisma conseguem imprimir. Ao longo de 10 episódios, não há como negar a atração pela sua linguagem corporal de ritmos e emoções mistas, rematada com uma simpatia cristalina.O que não significa que Vaughn seja aqui uma força isolada. Ainda que possa haver quem não se interesse por um enredo cheio de personagens secundárias (incluindo duas praticantes de magia vodu e um gangster russo), em que todas as energias contribuem para o movimento da história, a verdade é que a série de Bill Lawrence cumpre os requisitos máximos da ficção suficientemente leve e afiada para alcançar o chamado entretenimento inteligente, já agora, mais do que adequado para a época do ano.Para o espectador português, fica a nota: veja até ao fim. O derradeiro golpe humorístico de Bad Monkey é uma gargalhada certa neste canto da Europa.