Jennifer Lopez: a copiar os piores modelos masculinos
Jennifer Lopez: a copiar os piores modelos masculinos

"Atlas" - A moda da Inteligência Artificial

Marcado pelo tema da Inteligência Artificial, 'Atlas', lançado pela Netflix, procura satisfazer o modelo mais convencional das grandes produções de verão - sem talento nem imaginação.
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A Inteligência Artificial (IA) está na moda. Em sentido muito literal. Claro que, desde a invenção da máquina calculadora, por Pascal, em 1642, até aos programas de manipulação de imagens que proliferam na Internet, a história da IA envolve uma imensidão de factos, aplicações e problemas (alguns assustadores, é bem verdade) impossíveis de condensar numa qualquer perspetiva frívola, ainda menos moralista. Digamos que a moda se faz de uma reação pueril a tão perturbante complexidade - no limite, reduzir tudo a uma dicotomia simplista, esgotada em prós e contras, permite sempre preencher horas infindáveis de “debates” televisivos.

Vem isto a propósito do novo filme produzido e interpretado por Jennifer Lopez, Atlas (Netflix), realizado por Brad Peyton - digamos que possui a inteligência nada artificial de saber surfar nas ondas da moda. Desde logo, a partir da definição de um conflito maniqueísta concebido para sustentar duas longas horas de explosões mais ou menos ruidosas. Tudo acontece em 2043 e o mau da fita é Harlan, interpretado por Simu Liu (um dos “Ken” do filme Barbie), um humanóide criado pela IA que se dedica ao terrorismo global… Contra ele está a incansável Atlas Shepherd (Lopez), apostada em pôr fim à ameaça apocalíptica que Harlan representa. A sua arma principal é Smith (com a voz de Gregory James Cohan), outro produto da IA que funciona como uma grande carapaça metálica no interior da qual Atlas se desloca, manipulando as muitas armas que tem à sua disposição.

Tudo isto é ainda mais esquemático do que a pobre descrição do parágrafo anterior, para mais alimentado por diálogos saturados de clichés jurássicos. Na melhor das hipóteses, o filme parece organizar-se como uma coleção de citações que, no meio da monotonia, o espectador poderá tentar decifrar. Assim, embora correndo o risco de ofender o bom nome de Stanley Kubrick, diríamos que Smith é um herdeiro do computador HAL 9000 de 2001: Odisseia no Espaço (1968), ainda que, importa reconhecer, mais carinhoso no entendimento das fraquezas humanas. Com algum esforço, podemos também supor que as figuras humanóides resultam da tentativa de colher alguma inspiração nos elementos visuais de A.I.-Inteligência Artificial (2001), de Steven Spielberg. Enfim, onde não há equívocos é na concepção do “corpo” de Smith: a sua gaguez metalizada provém dos modelos caquéticos e repetitivos da série Transformers.

O resultado é mais devedor das convenções visuais (incluindo o primarismo da montagem) dos mais rotineiros videojogos do que de qualquer opção de cariz cinematográfico. Fica uma curiosidade sintomática da bizarria da actual produção de filmes, sobretudo a que se apoia em gigantescos recursos financeiros: Atlas procurar clonar no território do streaming a noção de blockbuster de verão (antecipando o calendário, como é tradicional) que, há várias décadas, domina os mercados de todo o mundo. De resto, convenhamos que o modo como Lopez copia os mais disparatados heróis masculinos não será a via mais interessante para revalorizar as personagens femininas.

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