Agora lançado nas salas portuguesas, o filme Armand foi uma das genuínas revelações do Festival de Cannes de 2024. Escrito e dirigido pelo norueguês Halfdan Ullmann Tøndel (nascido em Oslo, em 1990), recebeu a Câmara de Ouro (melhor primeiro filme de todas as secções do festival), atraindo redobradas atenções graças à árvore genealógica do autor. Ou seja: Tøndel é filho da escritora e jornalista Linn Ullmann, sendo assim neto de Liv Ullmann e Ingmar Bergman.Daí a procurarmos “explicar” o seu Armand através da herança do avô materno vai um passo que será sempre simplista e, no limite, desrespeitador das qualidades do trabalho de Tøndel. Podemos estabelecer algum paralelo com o autor de Morangos Silvestres (1957) devido ao modo como as clivagens sociais refletem as atribulações de uma determinada ordem moral, mas convenhamos que essa matriz narrativa está longe de ser um exclusivo de Bergman.Se Armand pode suscitar algum paralelismo sugestivo, talvez o possamos encontrar em referências teatrais do universo escandinavo, incluindo o norueguês Henrik Ibsen (1828-1906) e o sueco August Strindberg (1849-1912), obviamente também importantes no trabalho cinematográfico e teatral de Bergman. Sem esquecer, já agora, que a avó de Tøndel, Liv Ullmann, realizou uma sublime adaptação de Miss Julie (Strindberg), com Jessica Chastain no papel central.Tudo isto para sublinhar o facto de Armand ser um filme estruturado a partir dos diálogos. As palavras excedem as suas significações literais e arrastam enigmas anímicos, numa perturbação exponenciada por um notável elenco liderado por Renate Reinsve, a norueguesa que ganhou um prémio de interpretação em Cannes, em 2021, com A Pior Pessoa do Mundo, de Joachim Trier (regressou este ano ao festival com Sentimental Value, também de Trier, distinguido com o Grande Prémio).A ação centra-se numa escola em que começa por haver uma reunião da direção com os pais de dois meninos de 6 anos que terão protagonizado um episódio violento com estranhas conotações sexuais... Atenção: não é um filme “temático” sobre a “violência”, as “crianças” ou qualquer outra generalização gratuita para vender num talk-show de uma qualquer programação vespertina. Nada disso. Em boa verdade, tudo se passa entre adultos: o que aconteceu (que nunca veremos) é o motor de uma guerra de sensibilidades e valores em que se espelham os limites da racionalização familiar do quotidiano.Nas cenas finais, a realização de Tøndel aposta em alguns desvios “musicais” ou “oníricos” que, embora sugestivos, abalam um pouco a consistência narrativa de Armand. Seja como for, não é todos os dias que deparamos com um filme realmente adulto, mesmo (ou sobretudo) quando no seu centro está o mundo das crianças..'A Prisioneira de Bordéus'. Entre o policial e a comédia.'Stories of Surrender'. Bono: as canções dos U2... e mais além.'O Esquema Fenício'. A deriva formalista de Wes Anderson .'Tardes de Solidão'. Como filmar o sangue das touradas?