Shyamalan a filmar com deleite e prazer, mas este seu novo filme será mais respeitado com o decorrer do tempo…
Shyamalan a filmar com deleite e prazer, mas este seu novo filme será mais respeitado com o decorrer do tempo…

'Armadilha'. Deixar o ceticismo para trás…

Estreou-se a semana passada sem ser mostrado à imprensa 'Armadilha', de M. Night Shyamalan, uma caça a um assassino em série. Suspense de alto conceito destinado a agradar apenas aos mais fiéis do cineasta de 'A Vila'.
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Encontrar um cineasta em pleno exercício de uma grande produção de uma “major” de Hollywood a tentar esticar os limites do seu estilo é algo raro nestes dias. O cineasta, neste caso, tem crédito. É o famoso contador de histórias bizarras M. Night Shyamalan, autor de clássicos como O Sexto Sentido, Sinais ou a trilogia Unbreakable, e aqui faz uma experiência: até que ponto é possível enganar a plateia de um blockbuster? Ou como uma intriga pode ser dinamitada com um “high-concept” de puro absurdo nas suas reviravoltas. É uma espécie de firmamento de Shyamalan numa assinatura de desafio às convenções narrativas de Hollywood, mesmo e sobretudo dentro do género do thriller, neste caso até elevado ao sub-género do filme de “serial killer” e transformado numa abordagem de momentos “WTF”, como Nanni Moretti gozava no seu último filme  - o tal cinema com momentos do “arco da velha”. E fá-lo de uma forma petulante, para muitos com pastiche a mais, para outros com um excesso de vaidade exasperante mas quase sempre sem fugir dos seus princípios  de metodologia de criação de atmosferas sinistras e de medo. É o suspense com marca registada, com planos com a grife Shyamalan, sobretudo close-ups e brincadeiras de direção de fotografia sem medo do ridículo ou, no seu dicionário, do “preposterous” (ridículo) mais tonto. O que é mais divertido é que em Trap tudo é pensado na gestão de uma auto-citação.

Aqui há pop culture...

À primeira vista, este conto de uma operação de captura de um assassino em série parece não ter muitos twists. Vemos um pai quarentão a levar uma filha adolescente a um concerto de Lady Raven (uma versão de cor de Taylor Swift) numa arena repleta de meninas histéricas. Aos poucos, esse pai percebe que há uma operação de armadilha do FBI para o apanhar, ele que vivendo uma vida respeitável de bombeiro e exemplar homem de família é mesmo o Butcher, assassino sádico com traumas maternais que degola vítimas inocentes quase sem deixar vestígios. A sua estratégia é então procurar uma fuga da arena, nem que para isso tenha de usar o charme da sua filha. Aos poucos, como em qualquer filme de Shyamalan, acontecem twists e quando a intriga abandona a arena e o concerto começamos a conhecer melhor a mente deste monstro com sorriso de pai babado.

Referência a Hitchcock

De alguma forma, a maneira como somos convidados a entrar na mente desta personagem, interpretada com requintes de insanidade por Josh Harnett, é uma conversa inacabada com Psico, de Alfred Hitchcock. Por outras palavras, é uma variação moderna da loucura de Norman Bates. Trata-se realmente de uma vénia ao mestre, aqui e ali atraiçoada por resoluções de argumento no mínimo atabalhoada. 
Acreditar ou não acreditar

Mas para apreciar todo o conceito e deixarmo-nos ir na pureza do conceito “ilógico”, apenas se pede que se deixe para trás ceticismos e outros dogmas da credibilidade cinematográfica. Armadilha não nos pede para acreditar naquela situação, pede-nos para fingir e alinhar numa charada de descrença… E nesse sentido torna-se crucial a interpretação da veterana Hayley Mills, filmada como um arrepio de espinha.

Por alguma razão, a Warner teve um lançamento atípico, sem antestreias nem visionamentos de imprensa - quanto menos se soubesse, melhor. Uma estratégia de marketing para evitar spoilers e a má língua dos fãs de Shyamalan que poderiam não alinhar nesta “partida” do realizador. A verdade é que os números de bilheteira não são propriamente fenomenais…

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