Ana Zanatti, la sereníssima
Ana Maria Zanatti Olival, uma das mulheres com mais classe de Portugal, tem hoje 74 anos pelo único e simples motivo de ter nascido em Lisboa, Freguesia de São Sebastião da Pedreira, em 26 de Junho de 1949. Desde então, fez de tudo um pouco, ou muito - em suma, tudo o que havia a fazer em matéria artística ou criativa: foi apresentadora e actriz no teatro, no cinema e na TV, escreveu telenovelas, letras de músicas, livros de vária ordem, deu voz - e que voz! - a programas às dezenas e a causas inclusivas, sendo galardoada por isso. No essencial, porém, nunca mudou, e sempre a conhecemos assim, serena e suave, um tudo nada altiva e distante, pairando acima, muito acima, das misérias e questiúnculas de que se compõe o quotidiano pátrio, mormente na área que é a sua, a do showbizz e do entretenimento.
Para se perceber o desconchavo desse mundo mediático, bastará dizer que, em 2019, um tal de João André, que fez de Kiko na terceira temporada de Morangos com Açúcar, veio afirmar, imagine-se, que tivera um caso amoroso com ela, com a qual, inclusive, chegou a participar em orgias. Dias depois, o rapaz veio dizer que era tudo brincadeira, uma historieta de ficção apresentada como verídica, e que nem sequer entendia como é que as pessoas tinham acreditado naquilo. Depois, filósofo, concluiu que “as redes sociais são uma selva”, não percebendo, ou não querendo perceber, que ele próprio, feito animal, contribuiu e muito para tal selva, ao divulgar no YouTube uma descabelada mentira, travestida de verdade, e ademais envolvendo o bom nome e a reputação de terceiros. Lamentável episódio, felizmente passageiro, mas ainda assim ilustrativo da sideral distância que vai entre o tempo e o modo de Ana Zanatti e o deste pobre idiota.
Razão tinha, pois, a visada, quando afirmou “não gostar de estar em primeiro plano, nem de ser o alvo de atenções” (Correio da Manhã, de 20/7/2003) e quando disse, noutra ocasião: “Há 40 anos que tenho uma profissão de exposição pública e desde cedo percebi que a minha vida privada era alvo de curiosidade, sobretudo pelo lado sensacionalista, que repudio. Sou discreta não por medo, mas por natureza. Tenho um sentido ético e estético que não se coaduna com o baixo nível de certos discursos e de algum jornalismo. Procuro alguma elevação em tudo o que faço e nas pessoas de quem me rodeio e, por isso, não abro as portas à devassa de um bem que me é precioso. Não gosto de ver a minha intimidade tratada como um objecto de satisfação para curiosidades mórbidas ou menores. Tenho uma família e amigos que respeito e me respeitam e quero continuar a manter viva essa consideração que leva uma vida a enraizar-se” (Público, de 12/6/2009).
Ainda assim, Zanatti não se inibiu de falar e de assumir a sua homossexualidade e de confidenciar ter tido um namorico breve com Marcelo Rebelo de Sousa quando ambos frequentavam o Liceu Pedro Nunes, onde o actual chefe de Estado já batia recordes de popularidade. “Antes de entrar no coração dos portugueses, já tinha entrado no meu”, confessou a actriz à revista VIP, contando que se aproximaram durante um programa de teatro radiofónico na Emissora Nacional, com a professora Maria Emília Marques, e que foi a fazer novelas radiofónicas que Marcelo ganhou o seu primeiro dinheiro: “Além de inteligente, educado e sensível, condições imprescindíveis para eu me sentir atraída, o Marcelo tinha, e tem, uns olhos e umas mãos muito bonitos, que me encantavam, era charmoso e eu também não era má de todo”, disse Ana Zanatti, com pontinha de vaidade, ou talvez saudade (manda a verdade histórica que se diga que o namoro com o futuro Presidente não foi revelado recentemente, sendo de há muito conhecido; para o efeito, basta visualizar a conversa de Zanatti com o jornalista Jorge Cobanco, num inesquecível programa da RTP, Venha Tomar Café Connosco, de Novembro de 1982, onde também aparecem Lara Li, Joel Branco e Kris Kopke).
O enlace com Marcelo é a prova provada de que Ana nasceu e cresceu num meio confortável e burguês: seu pai era um homem de negócios apaixonado por quadros e antiguidades, dele herdando a actriz um apurado sentido estético e o gosto pelas artes plásticas; quanto à mãe, provavelmente doméstica, era “uma pessoa extremamente atenta para que nada [lhe] faltasse”, refere ela, com ternura, rejeitando, porém, o rótulo de “menina mimada”.
Frequentou o Colégio do Sagrado Coração de Maria, depois os liceus Dona Leonor e Pedro Nunes, e da infância e juventude recorda, sobretudo, o ambiente de severidade e rigor em que cresceu, muito por causa de seu pai, com o qual, após ter saído de casa, veio a cortar relações durante dois anos. Em entrevistas, vem dizendo que, “apesar de ter tido uma infância privilegiada no que toca ao conforto material, acesso à Educação, rodeada de todos os cuidados respeitantes à [sua] saúde e de todo o amor que os [seus] pais, à sua maneira, [lhe] souberam dar”, não teve uma “infância feliz”, seja pela “educação espartana” que recebeu, em especial por via do pai, seja pelo facto de se sentir desajustada do mundo em que vivia, sentindo-se “diferente das outras crianças.”
Importa determo-nos um pouco mais neste ponto, já que sobre ele Ana Zanatti publicou um relato invulgar e interessantíssimo, que infelizmente passou despercebido à crítica literária da especialidade ou, pelo menos, não teve a atenção que indiscutivelmente merece. Referimo-nos aos trechos do seu diário íntimo, que a actriz deu à estampa no livro O Sexo Inútil (Sextante Editora, 2016) e que, pela sua densidade e precocidade, podem e devem figurar, sem favor nem exagero, numa antologia das melhores páginas da literatura confessional feminina do século XX.
Ana Zanatti não se coíbe, inclusivamente, de publicar a carta que escreveu ao pai quando saiu de casa, farta do curso na Faculdade de Letras e do mundo claustrofóbico em que vivia, do mesmo passo que não hesita em dar à estampa os devaneios e as angústias que a assaltaram desde muito jovem, quase criança. Em 1960, com apenas 11 anos, a sua mãe foi chamada ao colégio de freiras que frequentava, apenas para lhe dizerem que a filha já sabia como nasciam as crianças. “A vida no colégio desagrada-me”, escrevia ela, acrescentando que “felizmente já não se fala tanto de inferno e de céu e começo a ficar aliviada.” Também com 11 anos: “Alguns rapazes reparam em mim e isso agrada-me. Preocupo-me com os meus vestidos, os cabelos e às vezes dizem-me que ponho um ar altivo e distante. Isso não me agrada. Deve ser porque faço um esforço para entrar em certas conversas que me maçam.”
No ano seguinte, com 12 anos, escrevia que “é difícil crescer num mundo de gente tacanha e provinciana como são os portugueses” e contava um dos muitos confrontos que teve com o pai, que insistentemente lhe falava dos deveres de cada um para com a sociedade, enquanto ela proclamava o direito de cada qual seguir o seu caminho, com o argumento, precoce e liberal, de que: “Não tenho de me meter na vida dos outros, nem eles na minha.”
Um quarto só seu, bonjour tristesse, retrato de uma menina burguesa nos alvores dos Anos 60: “Os adultos sempre estão muito convencidos! Eles com as suas carradas de experiência! Nem imaginam como eu lhes ligo importância! Vão para o diabo, está bem? Deixem-me com as minhas ideias, os meus sonhos, as minhas ilusões, como vocês dizem, não consinto que mas tirem. Eu nem tenho ilusões, admitir isso seria admitir que eles estão certos. Não admito!! Ouviram? Acredito que há gente que presta, interessante e muito boa.”
Em 1961, com 12 anos, ouviu falar de homossexualidade, coisa que não percebeu por inteiro, mas que acolheu com admirável tolerância: “Há dias ouvi, numa conversa meio sussurrada, que dois rapazes eram homossexuais. Não entendo muito bem o que isso é, mas percebi que esses rapazes não gostam de mulheres, porque também ouvi, maricas. Parece que preferem os rapazes. É estranho? Não sei, mas, pelo tom da conversa, não é coisa boa, parecia ser qualquer coisa que se esconde. Devem dar beijos como um rapaz e uma rapariga. Serão beijos diferentes? Um beijo é um beijo, tanto faz. Gostava de vê-los beijarem-se. Mas eles beijam-se? Não sei, são homossexuais. Pouco me importa”, escrevia Ana Maria Zanatti Olival, 12 anos.
Por volta dos 15, com uma imensa fome de mundo, lia tudo quanto apanhava, fechava-se no quarto a dedilhar a viola que lhe tinham oferecido, cantarolava o She Loves You dos Beatles, ouvia falar pela primeira vez dos Rolling Stones, devorava os êxitos do cinema, como My Fair Lady ou Mary Poppins, assistia à estreia do Festival RTP da Canção, não imaginando que, anos volvidos, estaria a apresentá-lo ao lado do seu alter ego masculino, o grande Eládio Clímaco, com o qual formou um dos duetos mais charmosos e mais elegantes da história da TV portuguesa.
De permeio, alguns namoricos inconsequentes, como aquele com Marcelo, e, compreensivelmente, legiões de pretendentes: “Acho graça ter tantos rapazes atrás de mim, mas as raparigas despertam mais a minha atenção. Há várias que me interessam. As adultas, não as da minha idade. Isso de ser homem também dá em nós ou é só nos rapazes?” (1961, 12 anos).
Com 13, começou a interessar-se pelas professoras de Português e de Matemática, e, no ano seguinte, fumou o seu primeiro cigarro às escondidas. Estudava pouco, mas ia passando de ano, detestava as aulas de Lavores (“pegar numa agulha dá-me nervos”), gozava o Verão no Algarve, na companhia dos pais, ou no Hotel do Mar, em Sesimbra, ou ainda no Estoril, com uma amiga francesa que vivia em Paris e cujo pai, médico e afamado, lhe ofereceu um livro com os autógrafos das celebridades que iam ao seu consultório tratar a garganta: Charles Aznavour, Dalida, Jean Marais, Catherine Deneuve, Françoise Hardy, Gilbert Bécaud e Brigitte Bardot, entre tantos outros.
Deslumbrou-se com Elizabeth Taylor e Richard Burton em Cleópatra, teve uma discussão com o pai sobre Valentina Tereshkova e o papel das mulheres, a morte de Kennedy deixou-a emocionada. Não muito depois, deslumbrou-se com Paris, onde, entre visitas aos impressionistas e a St.-Germain-des-Près, ainda arranjou tempo para uma “aventura amorosa”, desta feita com um rapaz belo, com “ar de príncipe”, que a beijou no cinema enquanto assistiam ambos às fitas de Zorba, o Grego.
Aos 14 anos, em revolta permanente com o pai, desabafava no diário que não pedira para nascer e dizia, com o coração em brasa, que odiava os homens e as mulheres, a sociedade e o mundo, que estavam “podres” e lhe davam “náuseas.” Aos 15, as “contradições da Igreja” levaram-na a afastar-se de Deus. Aos 16, divagava sobre o suicídio. Aos 17, confessava ter medo, “medo de não poder ser feliz” (“como é que eu vou ser feliz se me sentir empurrada a ser quem não sou?”). Aos 18, largou o Curso de Românicas, então no 2.º ano, e saiu de casa, num gesto que, para uma jovem do seu meio social, foi de tremenda ousadia e coragem - e que a obrigou a fazer contas, juntando o dinheiro que um tio lhe dera de presente, as libras de ouro que tinha, o que podia ganhar com explicações.
Foi então que escreveu ao pai, dizendo que adorara a experiência na Emissora Nacional, e que tomara a decisão de tornar-se profissional de teatro. A falta de dinheiro obrigou-a a comer pescada, que antes detestava, e ainda hoje confessa “andei uns anos a penar.”
O que depois se passou é de todos conhecido: depois de estudar no Conservatório, que abandonou sem completar o curso, estreou-se em 1968 na peça Cautela Libertino!, de Luigi Pirandello, levada à cena no Teatro da Trindade pela Companhia de Teatro Popular, dirigida por Francisco Ribeiro, o mítico Ribeirinho; no mesmo ano, teve a sua primeira aparição no cinema em A Estrada da Vida, de Henrique Campos; e, também em 1968, foi convidada para trabalhar como apresentadora na RTP, onde deu rosto e voz - e que voz! - a telejornais, concursos de misses e de outros, noites de cinema, programas culturais, cinco edições do Festival da Canção, etc., etc.
No currículo, vasto e frondoso, avulta uma colaboração com os Parodiantes de Lisboa, em 1970; a apresentação do programa Taco a Taco, com Artur Agostinho, em 1973; o Miss Portugal de 1984 e de 1987; a autoria e apresentação de Cine-Teatro, com Eládio Clímaco, em 1984; as Noites de Gala, com João Maria Tudela, em 1987; o sorteio Lotaria Europeia, de 1994, e, no mesmo ano, do espectáculo comemorativo do 20.º aniversário do 25 de Abril, para não falar do Festival OTI, dos Prémios RTC, dos Jogos Sem Fronteiras, do Grande Prémio da Música Popular Portuguesa (Providence, EUA, em 1992 e em 1994).
Em 1975, em pleno PREC, fez a sua primeira cena de nudez ao vivo, na peça Equus, Amargura para Um Cavalo, de Peter Shaffer, no Teatro Variedades. Dois anos depois, formou, com Zita Duarte, um grupo de teatro que levou à cena, no Cinema Quarteto, a peça A Verdadeira História de Jack, o Estripador, de Elizabeth Huppert, a qual, devido às suas cenas de nudez em palco (e à abordagem de temas como a homossexualidade e a prostituição), gerou enorme polémica na altura, mas também um enorme interesse por parte do público, a ponto de, dez dias antes da estreia, a sala já se encontrar esgotada para os dois meses seguintes. Na véspera de subir ao palco, Zanatti estava uma pilha de nervos, tendo tomado sete Serenais para se acalmar, tal fora a pressão para que não fizesse a peça, feita por amigos seus e por superiores hierárquicos na RTP. “Temos a sala cheia de leões e vamos amansá-los. Vamos ter de ser mais fortes do que eles!”, disse ela a Zita Duarte minutos antes de entrar em cena. Foi um êxito retumbante, nunca sofreu as represálias com que a tinham ameaçado.
Mais grave poderia ter sido o boato de que fizera um filme porno, lançado pelo Tal & Qual em Janeiro de 1983. O que se passou, na verdade, é que, contracenando com José Viana, Nicolau Breyner, Vítor Mendes, Herman José e Vítor de Sousa, Ana Zanatti entrou numa coisa chamada Cartas de Amor de uma Freira Portuguesa, classificada na Wikipédia, e muito bem, como “um filme de drama histórico e terror erótico, do subgénero nunsploitation”, isto é, fitas frescas com freiras enclausuradas em conventos, cujo precursor foi, como sempre sucede, um mudo sueco-dinamarquês de 1922, Häxan - A Feitiçaria Através dos Tempos.
O filme era rubricado pelo inenarrável Jesús Franco (Jesús Franco Manera), o “pai do cinema B espanhol”, autor de mais de 200 películas do género “horrótico” (horror + erótico), bem como de incursões no porno. Quanto ao filme da freira, tudo se explica por uma questão de geopolítica: como a revolução portuguesa precedeu a transição democrática espanhola, e como, nesse intermezzo, havia multidões de espanhóis que enchiam os cinemas das nossas cidades fronteiriças em frenética demanda de erotismo, Jesús Franco ter-se-á lembrado de usar a maior liberdade lusitana para a rodagem das suas películas, como diria em entrevista: “Se Portugal se encontra ainda sob uma ditadura, ao pé de Espanha, parece uma verdadeira democracia! Mesmo quando rodávamos em exteriores com os actores nus, a polícia ajudava-nos, bloqueava ruas, etc. Em Espanha, tínhamos de nos esconder para rodar as cenas eróticas.” (in João Monteiro, “Exploitation Made in Portugal, Parte 2”, Blimunda, n.º 40, Setembro de 2015, pp. 38-51).
Foi um fartote: não só recebeu autorização para filmar em monumentos nacionais como o Mosteiro dos Jerónimos ou o Paço Real de Sintra, como conseguiu convencer um naipe de autores portugueses, entre consagrados e quase estreantes, de que aquela poderia ser o primeiro passo de uma apoteótica carreira cinematográfica internacional. O resultado está à vista, e até fere a vista.
O problema é que, sem ter avisado os actores, e como parece que era prática sua, Jesús Franco rodava as cenas mais escaldantes com duplos de corpo e só as inseria posteriormente na película, de modo que os actores só descobriam o teor do filme depois de o verem na tela.
Rodado em 1975, o filme só seria estreado em 1977, com os jornais a fazerem manchetes como Porno filmado em Portugal. Ana Zanatti ainda ponderou processar Franco, e o facto é que, durante anos, correu o boato de que teria feito um filme pornográfico em Espanha, com Nicolau Breyner e Herman José. Hoje, à distância, Ana recorda o momento em que foi confrontada por um jornalista com o facto de ter entrado no “primeiro filme pornográfico português”: “Eu desatei-me a rir. Nu era o menos, porque nu eu já tinha feito, mas ele afirmava aquilo tão perentoriamente que às tantas comecei a acreditar que era verdade, que tinha entrado num filme pornográfico e não sabia. Teriam feito qualquer montagem com as cenas, qualquer coisa que eu desconheci.”, referiu ela no programa Perdidos e Achados, da SIC.
Foi um assistente de realização que, anos depois, lhe confidenciou que as cenas de sexo tinham sido compradas, algures em Espanha, França ou na Alemanha, e metidas a martelo naquela bizarra evocação de Soror Mariana Alcoforado, na qual Ana Zanatti surge ao lado de uma ingénua noviça, interpretada por uma jovenzinha, Ana Vieira, que com o nom de plume Susan Hemingway ou Elisabeth Hemingway entrou depois noutras fitas de softcore pornográfico de Jesús Franco, até abandonar a carreira artística com 23 anos apenas, esfumando-se para sempre. Que é feito dela?, perguntam na internet. Ninguém sabe.
Quanto a Ana Zanatti contracenou em 1984 com o jornalista Pedro Oliveira em O Lugar do Morto, de António-Pedro Vasconcelos, um dos principais papéis da sua carreira e um dos maiores êxitos da história do cinema português, com mais de 300 mil espectadores em sala. Nesse ano, foi convidada para representar Portugal no espectáculo comemorativo da entrada de Portugal e Espanha na CEE, realizado em Estrasburgo, no Parlamento Europeu, e foi uma das 25 mulheres escolhidas para representar Portugal em Bruxelas pela condição feminina na Comunidade Europeia.
Antes disso, entrou, em 1982, na primeira telenovela portuguesa, a saudosa Vila Faia, realizada por Nuno Teixeira, onde fez da médica Madalena e mãe da filha Cristina, interpretada por Manuela Marle, a qual se apaixona por Pedro Marques Vila (Nuno Homem de Sá), que a dado trecho se envolve com a própria da Madalena, isto é, a mãe da sua namorada, isto é, Ana Zanatti. Não seria a sua última incursão no universo noveleiro, já que em 1988 rubricou, com Rosa Lobato de Faria, o argumento de Passerelle e, em paralelo, entrou em Verão Quente, Desencontros, Ajuste de Contas, A Senhora das Águas, Saber Amar, entre outras.
São incontáveis os papéis que fez para o cinema (v.g., em Nojo aos Cães, de António Macedo, 1970; Os Demónios de Alcácer-Quibir, de José Fonseca e Costa, 1975; Porto Santo, de Vicente Jorge Silva, 1996) e para a televisão (por ex., em Nico d’Obra, As Lições do Tonecas, Riscos, Inspector Max, Morangos com Açúcar). Como se não bastasse, foi júri de muitos concursos, mormente de cinema, e assinou as letras de canções imorredouras, com destaque para Telepatia, de Lara Li, entre outras músicas de Mafalda Sacchetti, Paulo de Carvalho, Carlos Zel, Lena d’Água, Alexandra, etc.
A sua inesgotável energia criativa levou-a também à escrita, onde tem publicado romances, livros infantis, colectâneas de contos, poesia e ensaio, nomeadamente O Sexo Inútil, atrás citado, corajosa assunção da sua homossexualidade, já antes afirmada numa sessão de apresentação pública do primeiro movimento de defesa do casamento gay, que teve lugar no Cinema São Jorge, em 2009. Por isso, e muito mais, foi galardoada com o Prémio da Rede Ex-Aequo, em 2009 e em 2012, e com o Prémio Arco-Íris, em 2011, atribuído pela Associação ILGA Portugal, tendo também recebido, esses no domínio artístico, o Troféu Nova Gente, em 1980 e em 1984, o Prémio TV Guia, também em 1980, e um Globo de Ouro, da SIC, em 1997.
A Daniel Oliveira confessou gostar de ler à noite, na cama, de sublinhar os livros, de ter tempo para estar sozinha, em introspecção. Aprecia pratos vegetarianos e comida indiana, aprendeu astrologia com Flávia Monsaraz.
Hoje vive confortavelmente, nunca mais comeu pescada. Gosta muito de animais, em especial dos seus gatos, e de ler na praia, de passear de barco, de viajar de automóvel. Desdenha as pessoas más ou as que acordam rabugentas, bem como o frenesi das cidades e o ruído dos automóveis. Sente-se “uma pessoa que pode ser agradável à vista”, mas está preocupada com a idade, receando sobretudo a perda de faculdades e de autonomia. Não gosta das rugas que tem e da pele flácida, mas descarta fazer cirurgias plásticas. Por volta dos 30, chegou a pensar ter um filho, mas depois desistiu do projecto. Olhando para trás, diz que “valeu a pena atravessar a floresta cheia de fantasmas, perigos e papões”, só se arrependendo de não ter sabido amar melhor em algumas épocas da sua vida. Em 74 anos de existência, nunca lhe faltou o amor - e isso é o mais importante.