“A Amália representa muito a mulher portuguesa ainda hoje em dia. Nós queremos mostrar às pessoas que ela é muito mais do que aquilo que imaginam”. Quem o diz é a cantora portuguesa Sónia Tavares, membro do projeto Amália Hoje. Este projeto musical vai estar de volta ao Coliseu dos Recreios, em Lisboa, esta sexta-feira, dia 7 de março, depois de ter passado no Coliseu do Porto no sábado passado, dia 1 de março.Amália Hoje surgiu em 2009 para assinalar o aniversário da morte da cantora portuguesa Amália Rodrigues e junta Sónia Tavares e Nuno Gonçalves dos The Gift, Fernando Ribeiro dos Moonspell e Paulo Praça.O primeiro single do grupo foi Gaivota, um poema de Alexandre O’Neill. “Quando lançámos este tema, deu azo a que muitos jovens quisessem saber mais sobre a Amália e irem à procura daquilo que foi a grande Amália Rodrigues”, afirma Sónia Tavares em conversa com o DN. “Nas novas gerações, já ninguém vai tão longe ao fado original, ficam para ali em 2010”, acrescenta Fernando Ribeiro.O disco de estreia como mesmo nome do projeto conta com nove fados e tornou-se um fenómeno de vendas em território nacional, atingindo a tripla platina. “Nós sabíamos que se o disco fosse tratado com carinho e respeito pelas rádios, pelos media, íamos chegar às pessoas. Obviamente, nunca pensámos que estivéssemos seis ou sete meses em primeiro lugar”, afirma Fernando Ribeiro.O regresso do projeto aconteceu há dois anos, depois de um almoço entre os membros do grupo. “Começámos a perceber que poderia haver outros fados que nós estávamos com vontade e com energia para retomar. Portanto, não foi uma coisa marcada a compasso e esquadro, foi uma coisa um bocado impulsiva também”, conta Nuno Gonçalves. No ano passado, os Amália Hoje lançaram o single Fado Amado, marcando o seu regresso. Para Sónia Tavares, é uma “alegria imensa” poder homenagear Amália Rodrigues. “Era uma mulher com que eu me identificava muito por tudo, porque gostava de ser como ela. Ela representava a liberdade, a emancipação feminina, a moda, representava o último grito das coisas bonitas e profundas também”, disse. Já Fernando Ribeiro aponta para a responsabilidade que é homenagear a figura de Amália Rodrigues. “Queremos fazer um trabalho de que Amália se possa orgulhar, se estivesse viva. Ela tem representantes como a família, compositores e a fundação. Estes estão sempre a elogiar o projeto da Amália Hoje”.A escolha dos fados para reinterpretação é feita dependendo da sua estrutura. “Tentamos sempre escolher algumas canções onde a estrutura não é tão rígida, quase três acordes do princípio ao fim onde haja uma variação, um refrão e uma parte interessante”, explica Nuno Gonçalves, acrescentando que quando ouve os fados começa logo a imaginar uma interpretação. “Consigo ver outro mundo, é uma coisa um bocadinho difícil de explicar. Consigo imaginar uma porta a abrir e é por aí que eu vou, não é uma coisa muito pensada”. No caso do fado Estranha Forma de Vida, que pertence ao primeiro disco da banda, foi escolhido por ser o favorito de Nuno Gonçalves. Já em relação à música Medo, o artista diz que este tema é uma experiência diferente ao vivo. “É uma interpretação notável da Sónia. Nós ao vivo fazemos uma interpretação de piano e voz até meio da canção, depois é que entram os outros instrumentos. Quando comecei a ouvir a música inicialmente, comecei logo a imaginar uma melodia na minha cabeça que não tinha nada a ver com o original. Foi a partir daí que desdobrei essa melodia para o arranjo final de corda”, sublinha Nuno Gonçalves.No entanto, há músicas que não encontram o seu “caminho” até à seleção final, como é o caso do fado As Penas. “É uma música lindíssima. Tentei pegar nela mas lá está, não vi um caminho. Quando uma pessoa não vê o caminho, mais vale ficar quieto”. A maior dificuldade do grupo para reinterpretar as músicas da Amália é desconstruir as canções. “As canções podem ir para qualquer lado e podem ter muitos arranjos”, explica Paulo Praça, acrescentando o exemplo da música Barco Negro. “Há ali uma parte em que temos a ideia do arranjo, sabemos exatamente como é que podemos fazer, mas andámos ali às voltas por causa de uma parte harmónica”. Outro exemplo é a música Lisboa não sejas Francesa. “Tínhamos uma direção, mas chegámos ao meio e percebemos que efetivamente aquele não era o caminho e fomos para outro”.No entanto, Paulo Praça acrescenta que o grupo sente que existe liberdade total no processo criativo, mas sempre respeitando o poema original.Durante o concerto no Coliseu, os artistas vão estar acompanhados pelo Quarteto de Cordas Solistas da Casa da Música, por um coro e três músicos convidados. “Não é um princípio nem é um fim. É um meio de uma história que me parece muito interessante e que marca este regresso a duas salas nobres”, descrevem os artistas. Em conversa com o DN, revelaram que vão lançar quatro novas versões durante o espetáculo, incluindo os fados Barco Negro, Povo que Lavas no Rio e Lisboa não sejas Francesa. “São músicas muito distintas umas das outras e com ambientes completamente diferentes. Por exemplo, o Lisboa não sejas Francesa é uma música a 134 batidas por minuto e a Povo que Lavas no Rio será uma canção muito mais negra que vai durar seguramente para cima dos sete minutos”, sublinha Nuno Gonçalves, mencionando também que o grupo está a experimentar versões mais rock, eletrónicas e com “mais dança”.Os artistas mencionam ainda como é complicado conciliar as suas carreiras a solo com este projeto. “Nós também nos The Gift temos de fazer discos novos. O Fernando está a fazer um novo e vai partir para mais uma digressão europeia. O Paulo está a lançar discos quase todos os anos. Resta pouco tempo para podermos focar-nos a 100% no Amália Hoje agora. Nestes espetáculos nos coliseus estamos a dar o nosso melhor e as pessoas vão perceber isso em palco”, disse Nuno Gonçalves.