Cultura
18 setembro 2021 às 18h20

O intelectual que foi muito mais do que historiador de arte

Em mais de sete décadas de atividade foi um nome essencial na divulgação e crítica cultural e o fundador do primeiro curso de História de Arte. "Uma das maiores figuras culturais" de Portugal, evoca Marcelo. Tinha 98 anos.

DN

Nasceu em Tomar em 1922 e morreu neste sábado em Jarzé, localidade francesa perto de Angers, mas foi em Lisboa e Paris que José-Augusto França passou a parte mais produtiva da sua vida. Referência como historiador de arte e nos estudos olissipográficos, deixou também obra na ficção e na crítica de cinema.

A família de José-Augusto França mudou-se de Tomar para Lisboa quando este tinha cinco meses. Começa a sua extensa colaboração na imprensa aos 18 anos, ao escrever crítica de cinema para O Diabo. Em 1945, na sequência da morte do pai, que tinha negócios em Angola, passa um ano em África, mas não se adaptou e regressou a Lisboa, onde publicou um dos primeiros romances críticos do colonialismo, Natureza Morta. É nesta fase que se integra no movimento artístico e intelectual, aquando da criação do Grupo Surrealista de Lisboa, onde se dá com Mário Cesariny, Alexandre O"Neill ou Vespeira, tendo inclusive feito uma incursão na pintura e exposto no primeiro Salão Surrealista, em 1949.

Foi editor do Grande Dicionário de Língua Portuguesa e entre 1951 e 1956 editou o conjunto de cinco publicações Unicórnio, Bicórnio, Tricórnio, Tetracórnio e Pentacórnio, que antologiava inéditos de autores contemporâneos como Almada Negreiros, António Sérgio, Jorge de Sena, Eduardo Lourenço, Vitorino Nemésio, entre outros.

Em 1959, ruma a França, que já tinha visitado em 1946, e onde conhece figuras da cultura como Roland Barthes ou André Breton. Discípulo de Pierre Francastel, é aí que se licencia em Ciências Históricas e Filosóficas, tendo mais tarde completado doutoramentos em História (sobre a reconstrução pombalina de Lisboa, 1962) e em Letras (sobre o romantismo português, 1969) na Sorbonne. Anos mais tarde, entre 1980 e 1986 é diretor do Centro Cultural Português da Fundação Calouste Gulbenkian.

Com o 25 de Abril regressa a Portugal, onde cria o curso de História de Arte na Universidade Nova de Lisboa, mas, casado com uma historiadora de arte francesa, acaba por dividir-se entre Portugal e França.

Entre os cerca de cem livros que publicou escolheu 16 em 2017 para serem reeditados pela Imprensa Nacional Casa da Moeda (INCM). Entre estes destacam-se Lisboa Pombalina e o Iluminismo, A Arte em Portugal no Século XIX, A Arte em Portugal no Século XX, História da Arte Ocidental, 1750-2000 e Lisboa, História Física e Moral. Mas também são uma referência as suas monografias sobre Almada Negreiros e Amadeo de Souza-Cardoso.

Para breve, segundo a Lusa, a INCM prevê a publicação de Estudos das Zonas ou Unidades Urbanas de Carácter Histórico-Artístico em Lisboa, levantamento efetuado por José-Augusto França sobre o património da cidade, em 1967, e que inclui a proposta de Salvaguarda do Património Artístico Arquitectónico e Histórico dos Bairros Tradicionais da Cidade de Lisboa, com plantas, desenhos, um levantamento fotográfico de 292 imagens, realizado em 1968, e o texto do historiador.

Entre outras distinções, José-Augusto França foi agraciado com a Ordem do Infante D. Henrique (1991) e a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique (2006). "Numa época em que a arte portuguesa tem vindo a alcançar o reconhecimento internacional há muito devido, é justo lembrar o muito que devemos a quem incansavelmente produziu um discurso crítico e histórico sobre as artes em Portugal. E ninguém o faz com mais intensidade, sabedoria e distinção do que José-Augusto França", reagiu o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, em nota de pesar.