Cultura
21 maio 2022 às 18h55

A mulher que voltou a ser mulher

Na Quinzaine todos os caminhos foram dar a um desencanto parisiense. Chama-se Un Beau Matin e tem como protagonistas Melvil Poupaud e Léa Seydoux. O desejo feminino encenado com processos...femininos.

Rui Pedro Tendinha, em Cannes

E como uma atriz pode mudar o jogo de um filme... A atriz é uma Léa Seydoux de cabelo curto e o jogo é uma decantação radical de um intimismo transcendental. Un Beau Matin marca o regresso à realização de Mia Hansen-Love após o desastre de A Ilha de Bergman, mostrado na secção oficial o ano passado. Agora, tem direito à Quinzena dos Realizadores, uma "despromoção" paradoxal: este é um filme mil vezes superior à "brincadeira" com Ingmar Bergman, todo ele ancorado na presença triste mas também revigorante de Seydoux, neste momento a princesa oficial do cinema francês.

Léa interpreta uma jovem mulher a redescobrir a sua vida sexual depois de uma separação e da absorção da maternidade. O único problema é que o seu amante é casado e parece não estar disposto a separar-se. A outra dimensão do argumento diz respeito ao drama desta mulher em relação ao pai, um professor de filosofia a sofrer de Síndroma de Benson e constantemente a mudar de lar.

Sonata pesada sobre as feridas da solidão e colisão dos nossos desejos mais íntimos, Un Beau Matin começa de mansinho mas depois atinge um abalo dramático que deixa qualquer um de queixo caído.

Para além de Léa Seydoux há também um gigante Melvil Poupaud, precisamente ator em alta em Cannes, também protagonista de Frère et Soeur, aqui no papel do amante. Um filme que gosta dos atores, uma ode àquilo que fica da vida.