O embaixador Bruno Figueroa nos Jardins da Quinta de São João.
O embaixador Bruno Figueroa nos Jardins da Quinta de São João.Foto: Leonardo Negrão

"Além da beleza do palácio, o que tem de especial esta embaixada do México é que todos a conhecem por fora"

A pedra com MDCCLXXV à entrada remete para os 250 anos do palácio, mas há azulejos mais antigos na Quinta de São João em Monsanto, ocupada a seguir ao 25 de Abril, conta o embaixador Bruno Figueroa.
Publicado a
Atualizado a

O que se sabe deste palácio é que a data que está na porta é de 1775, mas pode ser ainda mais antigo. E até ao século XX a Quinta de São João era uma quinta de cultivo e de criação de animais, maior do que hoje. O que sobra dessa época são os pomares, e o consulado está onde eram as cavalariças”, conta Bruno Figueroa, sobre a história daquela que é hoje a sua residência oficial, também o local de trabalho, pois há meio século que a embaixada do México em Lisboa está aqui instalada, à entrada da mata de Monsanto, na estrada do Outeiro, que liga Benfica a Belém. O diplomata caminha pelos jardins da embaixada, por entre laranjeiras e nespereiras. Vê-se um jardim inglês, que não tarda muito se encherá de flores. Acompanhado por Kahlúa, cadelinha nascida no México que “já viveu na Coreia do Sul e fala três línguas”, vai explicando os pormenores, como a torre com varanda que é um depósito de água, ou os medalhões renascentistas numa das fachadas do palácio. Há também no pátio azulejos hispano-árabes de finais do século XV a rodear um relógio de sol. E são únicos os painéis de azulejos do século XVIII com representações de fábulas, como a da guerra dos ratos com os gatos. Sendo esta uma embaixada mexicana, não falta uma réplica do “Sino de Dolores”, símbolo da independência.

Azulejos num relógio de sol.
Azulejos num relógio de sol. Leonardo Negrão

“No século XX, a Quinta de São João teve três donos importantes antes da aquisição pelo governo mexicano. Foi o advogado Álvaro Teixeira, que tinha uma biblioteca imensa e uma colecão de arte, quem deverá ter adquirido nos anos 1920 e 1930 os azulejos do século XVIII e os medalhões renascentistas da fachada do palácio que dá para o jardim. Nos anos 1940, passou a pertencer à família Dawson, cujo negócio era a logística. Pode imaginar-se o que era o transporte marítimo entre Lisboa e Londres durante a Segunda Guerra Mundial. Gastou uma fortuna a remodelar a quinta. Depois, o doutor Manuel Machado Macedo, que foi quem a vendeu para ser embaixada. Era médico, casado com uma senhora inglesa, e terá sido com dinheiro dela que comprou a quinta. É muito curioso que tenha havido um contrato de compra e venda com o governo do México a envolver um banco do Liechtenstein, que me parece mais uma operação de uma filha de um banqueiro inglês do que de um médico português”, conta o embaixador, que tem procurado investigar a história do palácio e da quinta. Também o historiador João Miguel Ferreira Antunes Simões tem um livro prestes a ser publicado, onde são desenvolvidos temas como os primórdios das quintas da zona de Monsanto, mas igualmente o pós-25 de Abril de 1974, em que o palácio chegou a ser ocupado. Tiveram de vir soldados, numa chaimite, expulsar as gentes da Buraca que tinham aproveitado a ausência do médico num congresso em Nova Iorque e da mulher em Paris. “O dono devia ter amigos influentes e bastou-lhe um telefonema para virem desocupar o palácio”, comenta Bruno Figueroa.

Azulejos com a fábula da guerra dos gatos e dos ratos.
Azulejos com a fábula da guerra dos gatos e dos ratos. Leonardo Negrão

Como indica a numeração romana junto à entrada, o palácio data de 1775, e foi construído por Maria Rosa Caetana, nascida no Rio de Janeiro e filha de um rico comerciante que depois se instalou com a família em Portugal. Mas até pode ser mais antigo. E é em 1975, na sequência da ocupação, que o México entra na história da Quinta de São João, conta o embaixador: “no México, no nosso meio diplomático, há muitas histórias sobre esta propriedade. E alguns afirmam que chegou a ser de Antenor Patiño, o bilionário boliviano, o rei do estanho. E há uma ligação de Patiño com o México, um hotel maravilhoso na costa do Pacífico, em Manzanillo, chamado Las Hadas. Todo de pedras brancas. Mas Patiño também viveu em Portugal. E a história que se conta é que a quinta era de Patiño e que a vendeu ao México porque era amigo do embaixador aqui em 1975. Tive muito interesse em confirmar essa história. Participei num colóquio sobre Mário Soares e a América Latina e tive de ir investigar sobre o antigo presidente português e o México. Esse era o meu interesse fundamental. Mas também consultei os documentos sobre 1974 e 1975. Encontrei pouca coisa em relação à quinta, mas o que sei é que o embaixador naquele momento era um homem de muito talento social. Que foi chefe do protocolo, e recebeu a rainha Isabel II na única visita ao México. E, dentro das lendas diplomáticas, conta-se que foi convidado para o iate da rainha e que acabaram por ser amigos. E esse embaixador também seria amigo de Patiño. O que eu encontrei foi um contrato de 1975 desse embaixador com a senhora Patiño para arrendar uma propriedade no Estoril. Então talvez haja uma relação. É possível que tenha sido Patiño a dizer ao embaixador mexicano em Portugal que um amigo médico tinha uma propriedade para venda e que valia a pena conhecê-la”.

A Quinta de São João está cheia de arte espalhada pelos recantos.
A Quinta de São João está cheia de arte espalhada pelos recantos.Leonardo Negrão

Bruno Figueroa admite que está apenas a colocar uma hipótese, mas que “é plausível”. De facto, a personalidade do seu antecessor de há 50 anos pode explicar muita coisa. “Naquela época, havia bons negócios, mas os ministérios dos Negócios Estrangeiros nunca têm dinheiro. E não há orçamento para comprar embaixadas. E o que se passou também faz parte da história oral da diplomacia mexicana, mas penso que é verídico. Esse embaixador, Joaquín Bernal y García Pimentel, era de uma família extraordinária. Tinha dois irmãos. Um, Ignácio, famoso arqueólogo que dirigiu o Museu Nacional de Antropologia do México. O outro, Rafael, é conhecido como o autor do romance policial mais popular no México, El Complot Mongol’. O que terá feito o embaixador em Lisboa foi telefonar para o chefe da Casa Presidencial e dizer-lhe que podia informar o presidente de que se passava isto e aquilo, e que era uma oportunidade extraordinária de comprar a preço de revenda, e a resposta foi positiva. E se o presidente aceita, ao ministério só lhe resta encontrar o dinheiro”, explica o embaixador Figueroa, entre risos.

Chega, entretanto, a embaixatriz Verónica González Laporte, escritora, e assiste por uns momentos à conversa. O marido aproveita para explicar que apesar de conhecer a fama desta embaixada, nunca a tinha visitado antes de ser colocado em Lisboa. “Só conhecia Portugal de uma viagem muito curta, de três dias, quando vivíamos em Paris, creio que em 2010, quando com Verónica passei aqui um aniversário de casamento. Foi uma visita discreta e não telefonei ao embaixador”, conta Bruno Figueroa, que, além de gostar de destacar a beleza da quinta, chama a atenção para a localização. “O que também tem de especial esta embaixada é que toda a gente a conhece por fora porque está na passagem estratégica de um lado de Lisboa ao outro. Há embaixadas maiores, faustosas, palácios como as embaixadas de França ou de Itália, mas esta sempre me impressiona porque toda a gente sabe onde está a embaixada do México e isso conta muito porque é uma projeção do nosso país através desta quinta que num dado momento estava fora da cidade”, acrescenta.

O embaixador Bruno Figueroa e a embaixatriz Verónica González Laporte.
O embaixador Bruno Figueroa e a embaixatriz Verónica González Laporte.Leonardo Negrão

Numa sala da residência, um livro sobre a mesinha junto aos sofás exibe na capa uma fotografia do último dono da quinta, o médico. Bruno Figueroa mostra-me uma dedicatória que lhe foi feita por um dos autores e surpreende-me: Marcelo Rebelo de Sousa escreveu, juntamente com João Lobo Antunes, uma biografia de Manuel Machado Macedo. “Descobri-o num alfarrabista em Lisboa e pedi ao presidente que o assinasse”, explica. A curiosidade do diplomata pela história da embaixada, agora que se assinalam 250 anos do palácio e 50 da aquisição (concretizada em 1976), levou-o também a procurar na lista telefónica se havia algum Dawson em Portugal. E havia. Veio jantar com o embaixador à casa onde vivera em criança. “Contou-me, com alguma graça, que um dia os pais estavam a jantar no palácio e então um disse ao outro, estamos tu e eu aqui e umas 20 pessoas a trabalhar para nós. Foi quando decidiram vender a quinta ao doutor Machado Macedo”.

Portugal e o México celebraram em 2024 os 160 anos de relações diplomáticas. Uma sala da embaixada mostra as fotografias dos embaixadores. Lá está Joaquín Bernal y García Pimentel. E, por exemplo, Rafael E. Fuentes, pai de Carlos Fuentes, autor de livros extraordinários, como O Velho Gringo. Também com o escritório de Bruno Figueroa nele instalado, este piso superior foi acrescentado algures no século XX, para ser usado por convidados. “Mas sim, por baixo chegaram a ser a cavalariça e o estábulo das vacas”, sublinha o embaixador mexicano.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt