Álvaro Morte: El Profesor foi só o início
Sem ajeitar os óculos ou gaguejar timidamente como se tornou mundialmente conhecido no papel de El Profesor em A Casa de Papel, o ator Álvaro Morte transparece simpatia e simplicidade sem tiques da vedeta mundial que se tornou. Por Zoom, desde a sua casa em Madrid e no dia em que celebrava o seu aniversário, Álvaro, de 47 anos, conta como tem sido a vida depois do sucesso mundial da série espanhola da Netflix. Ele, que também podemos ver na Amazon Prime num papel diametralmente oposto na série Wheel of Time - baseado na saga de livros de Robert Jordan -, prepara-se para mais produções internacionais. Álvaro García Pérez, mais conhecido como Álvaro Morte - uma história curiosa que nos conta - é um bom conversador. Numa entrevista com tempo supercontado - como é apanágio com as estrelas de cinema -, que o ator simplesmente ignorou e falou muito. Felizmente.
Ainda continua a viver a ressaca do enorme sucesso que A Casa de Papel teve em todo o mundo?
Sim, absolutamente. Foi uma coisa tão grande que é impossível não sentir uma sombra daquilo que aconteceu, e digo sombra num bom sentido. Foi um sucesso que nenhum de nós alguma vez podia imaginar e que mudou a vida de todos, atores, produtores, realizadores, todos. Adoro aprender a essência de cada personagem que protagonizo e aprender com aquilo que a personagem passa nas histórias. Mas uma ressaca é algo que passa, e quanto à personagem de El Profesor, acho que, felizmente, é algo que vou "carregar" para o resto da minha vida.
Mas esse papel não poderá "assombrar" os seus novos próximos papéis. O público não tenderá a tentar ver sempre algo do Professor nas personagens que irá protagonizar?
Acho que depende do público. Dedico-me a construir todas as minhas personagens tal como fiz com El Profesor. Adoro o meu trabalho e adoro pesquisar o máximo possível para criar as personagens. Vou trabalhar as próximas da mesma forma e com o mesmo empenho como o fiz com a personagem de A Casa de Papel. E será a audiência que irá decidir se quer descobrir algo do Professor nesses novos papéis. Felizmente, o público é cada vez mais inteligente e tem a experiência de ver os atores protagonizarem diferentes papéis em várias séries. Talvez há uns anos quando só existiam um ou dois canais de TV existisse a tendência de certos atores ficarem agarrados a uma personagem para o resto da vida, hoje com tantas séries e os canais de streaming é diferente. Claro que há pessoas que na rua me abordam e dizem: "Olha o Professor!", mas o que é bom é que a maioria aborda-me pelo meu nome. Adoro a personagem de A Casa de Papel mas gosto ainda mais que saibam que sou um ator que fez um papel para se transformar naquela personagem. Por exemplo no The Wheel of Time onde protagonizo o papel de Logain Ablar, um papel completamente diferente, tenho tido feedback muito positivo. Muitos dizem ser muito interessante verem-me numa personagem tão diferente, aliás, diferente de todos os papéis que já fiz. E essa é uma das melhores ferramentas que os atores podem ter: ser camaleónico.
Temos falado de séries e filmes, mas é também um homem do teatro. Inclusive, em 2012 fundou uma companhia de teatro - que em 2018 foi premiada em Espanha. Pisar os palcos e encenar peças ainda continua a entusiasmá-lo?
Sim, claro. Com a pandemia a companhia parou e está mais ou menos em hibernação. Estamos apenas à espera de que a pandemia fique numa fase mais calma para começar a trabalhar. Somos uma companhia independente, sem qualquer apoio estatal, sem apoios ou patrocínios, é apenas o esforço da 300 Pistolas [o nome da companhia]; por isso mesmo, se montarmos uma produção e se existirem mais restrições por causa da covid é muito, muito arriscado. Preferimos esperar um pouco mais. Mas não estamos parados de todo, andamos sempre a pensar no que vamos fazer e a descobrir textos que possamos trabalhar.
Citaçãocitacao"[A Casa de Papel] Foi um sucesso que nenhum de nós alguma vez podia imaginar e que mudou a vida de todos, atores, produtores, diretores, todos (...) acho que é algo que me vai acompanhar para o resto da vida."
A carreira de ator internacional estava nos seus planos? Sonhava fazer o mesmo que outros atores espanhóis como António Banderas, Javier Bardem e Penélope Cruz, só para mencionar alguns?
Quando estava a estudar sonhava entrar numa escola como aquela que vi na série americana Fame, dos anos 1980. Algo super cool, com aquele ambiente todo. Mas depois quando entrei para a escola, eu e os meus colegas enfrentámos a realidade, que é bem diferente do que vimos na tal série. Estudei em Córdoba e quando vim para Madrid percebi que as coisas não iam ser fáceis e as expectativas baixaram. Mas encontrar estabilidade como ator, ganhar dinheiro, pagar as minhas contas, era para mim mais do que suficiente. Tudo o que surgiu em acréscimo foi e é um presente. Estou muito contente com a minha vida atualmente, mas já estava antes das grandes produções em que entrei. Estava relaxado com a minha vida. E talvez isso tenha sido uma vantagem para ter sido escolhido para alguns papéis, porque muitas vezes os diretores de casting percebem que estamos nervosos e a precisar muito de trabalhar... Mas, regressando à pergunta, não é preciso ser-se famoso mundialmente. Aliás, para mim era muito mais fácil não ser conhecido e continuar com o meu trabalho de ator, mas a vida colocou-me onde estou agora e estou muito feliz.
Mas há lados bons. A sua vida pessoal mudou bastante. Aliás, agora até é embaixador de uma marca de relógios de luxo, a par de outros atores mundialmente conhecidos como Brad Pitt, Charlize Theron e Adam Driver, isso parece ser bom, não?
Acho que temos de fazer um esforço para saber aquilo que é natural para nós ou não. Tenho tido várias, muitas aliás, propostas de marcas, mas nesse exemplo que disse, da marca Breitling, aceitei porque tem que ver comigo e foi uma relação muito natural. Nunca farei uma colaboração com alguma marca com a qual não me sinta confortável. Com o sucesso a nossa vida pessoal muda em muitas formas e temos de ser inteligentes para fazer as escolhas certas para não perdermos as nossas raízes e não perdermos a cabeça com o sucesso. Já podia ter feito muitas colaborações e ganhado muito dinheiro, mas não estou interessado nisso. Escolho sempre o trabalho pelo desafio que isso me pode dar e na hipótese de evoluir como ator. Ainda há uns dias tive uma oferta para realizar um filme, que é algo que quero fazer muito, mas se ao ler o guião perceber que não tem que ver comigo, não o farei.
E Portugal? Faz parte dos espanhóis que vêm a Portugal com frequência ou não?
Infelizmente tenho ido menos vezes do que gostaria. Já estive em Lisboa, Porto e Aveiro, em vários locais. Tenho vários amigos atores em Portugal. Adoro a comida e o vinho verde [risos] e as pessoas aí são tão simpáticas e amistosas... Mas gostava de ver Portugal e Espanha mais perto do que estão atualmente. Com mais colaborações entre os dois países em vários campos.
E agora, que filmes ou séries está a gravar?
Ainda estou a trabalhar na série Wheel of Time, mas terminei agora a produção de uma série chamada Boundless, sobre a viagem do português Fernão de Magalhães, protagonizado pelo brasileiro Rodrigo Santoro, onde eu protagonizo o espanhol Juan Sebastián Elcano - que completou a viagem de circum-navegação após a morte de Magalhães. É uma produção inglesa e espanhola, e penso que vai estrear no final do verão. E também terminei de gravar um filme chamado Objetos, filmado aqui em Espanha e na Argentina, que acho que se irá chamar, em inglês, Lost and Found, do realizador Jorge Dorado. Agora, e depois de na semana passada ter terminado de filmar muitas, muitas coisas, vou tirar umas férias, de que necessito tanto. Depois tenho vários projetos...
Projetos como a Wheel of Time ou A Casa de Papel?
Sim, projetos internacionais, mas ainda não posso falar sobre eles [risos].
Uma última curiosidade: o seu apelido verdadeiro não é Morte, porque escolheu esse apelido como nome artístico?
É o apelido de uma grande amiga. Numa certa noite estava com ela e outros amigos a beber um copo e ela disse-me que um dia, quando se casasse, queria que fosse o seu apelido o escolhido para os filhos. E perguntei-lhe qual era. E ela disse-me: Morte! Eu fiquei superadmirado, porque em português, catalão, galego e italiano tem o significado que vocês sabem. E fiquei a pensar na força de como soava, sobretudo porque o meu apelido é García, que é talvez o mais comum em Espanha... e então resolvi passar a usá-lo. Mas, apesar do seu significado, sou uma pessoa feliz e muito otimista [risos].
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