A vida quando se tem 28 anos

Assinado pela autora de banda desenhada Nine Antico, Playlist é uma "história de quadradinhos" com verdadeiro charme de cinema e excelente banda sonora.

Uma comédia francesa não tem de ser necessariamente uma comédia "à" francesa. Prova disso mesmo é esta primeira longa-metragem de Nine Antico, tão refrescante quanto universal, que conta as pequenas tragédias quotidianas de Sophie (Sara Forestier), uma jovem à procura de lugar no mundo editorial da banda desenhada, sem aparente estrela da sorte. Retrato autobiográfico? É certo que a heroína de Playlist terá muito da sua realizadora, um nome sonante no meio francês da ilustração e BD (basta referir o livro de histórias curtas Girls Don"t Cry), mas o filme retira daí "apenas" o seu lado de crónica genuína, convertendo-se numa deliciosa miniatura a preto e branco de situações que conseguimos imaginar em quadradinhos, sem prejuízo cinematográfico.

De facto, Nine Antico filma como quem desenha. Dá-nos a realidade da protagonista em quadros sugestivos - do interior de uma carruagem de metro ao quarto alugado onde ela se deita a pensar na vida -, mas não deixa que as suas marcas de estilo distraiam o espectador da essência de um universo íntimo, com tanto de depressãozinha como de tragicomédia do corpo. Sophie, que trabalha como empregada de mesa num restaurante, está prestes a trocar esse emprego por um cargo numa editora parisiense de novelas gráficas, na esperança de ali conseguir fazer chegar os seus desenhos às pessoas certas. O problema é que, com 28 anos e sem a devida formação académica, as portas teimam em fechar-se. Juntando a isso um patrão neurótico, uma melhor amiga aspirante a atriz, um colchão com ácaros, uma gravidez inesperada e uma complexa matemática amorosa, temos o caos perfeito para uma banda sonora indie rock que de resto funciona às mil maravilhas com a voz off do cantor Bertrand Belin, a instilar melancolia através de reflexões sobre o amor.

Livre e gracioso, doce e amargo, com o leitmotiv musical True Love Will Find You in the End, de Daniel Johnston, Playlist capta aquele momento da vida em que decidimos se vale a pena ou não o esforço pelo "sonho". O momento em que se percebe se estamos sintonizados com uma nota de futuro.

dnot@dn.pt

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