A rumba avariada de Baumbach e Adam Driver
Duas semanas antes de chegar à Netflix, estreia-se nas salas o novo filme de Noah Baumbach, Ruído Branco, protagonizado por Adam Driver. Candidato a desilusão do ano, esta adaptação ao romance de Don DeLillo está cheia de ambição formal mas não chega...
Foi com quase toda a certeza a maior deceção do Festival de Veneza. O novo filme de Noah Baumbach, fresquinho do prestigiante Marriage Story, chegou ao Lido com honras de competição e filme de abertura mas não se livrou de um desprezo generalizado. O cineasta nova-iorquino, por estes dias um dos grandes nomes do cinema de autor americano, tem direito a errar - mesmo os seus filmes menos conseguidos como Margot e o Casamento ou Mistress América - Quase Irmãs tinham lá qualquer coisa. Desta vez há o peso da adaptação do infilmável livro de Don DeLillo. Isso e alguma pose e circunstância. Tudo fardo para uma empreitada que toma riscos, sim senhor, mas que não evita a distância abonecada de um olhar artificial sobre uma recordação da neurose americana dos anos 80.
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Conto sobre o consumismo e os medos da América da década de 80, Ruído Branco descreve a vida familiar dos Gladney, uma família comandada pelo pai, um professor universitário obcecado com os temas do nazismo. Depois, há também uma mãe absorvida pelos deveres da maternidade, os filhos adolescentes e os mais pequenos. Todos a conviver numa sociedade de conhecimento e consumo que pode ser posta em causa quando um bizarro acidente natural parece tirar o tapete das vidas estabelecidas. Todavia, os Gladney terão sempre o supermercado para afogar as mágoas.
E sem ser spoiler, White Noise poderia começar pelo genérico final, onde se celebra uma coreografia em grande de um bailado nos corredores de uma grande superfície comercial. Famílias a dançar enquanto consomem, metáfora mais do que evidente para lembrar ao que o filme tenta ir. Newbody Rumba, dos LCD Soundsytem é o tema encomendado para furar perante a explosão cromática, como se a possibilidade de vermos Greta Gerwig e Adam Driver em franca dança tribal de poder de compra também fosse uma porta aberta ao musical.
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À viva força, o realizador tenta fazer o seu "disaster movie" com neurónios através dos meios impressionantes que a Netflix lhe deu: efeitos visuais elaborados, valores de produção faustosos - terão sido mais de 80 milhões de euros mas as cenas não colam, os capítulos do livro parecem encavalitados e a sensação é de caos neurótico sem efeito emocional. Daqueles exemplos que o conceito teórico só resulta na página. E, DeLillo, em cinema costuma dar para o torto: levante-se quem não achar Cosmopolis o pior Cronenberg.
A desilusão desta neurose americana também parece estar no elenco. Adam Driver, que costuma ser triunfante nos filmes do amigo Baumbach, está perdido nos diálogos palavrosos que não têm tempo dramático e a própria Greta Gerwig é um acumular de lugares comuns do retrato da mulher frustrada.
A espaços, só a espaços, parece deslumbrar-se uma qualidade visionária da palavra quando há um pouco mais de contenção, de controlo. Aí percebe-se o filme que Ruído Branco poderia ser: uma crónica cínica de um fim do sonho americano. Fica somente um rascunho de um caos fílmico mais vistoso do que outra coisa...

dnot@dn.pt
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