A pulsação do hip-hop em Casablanca
Uma turma e o seu professor, música e questões sociais. Alto e Bom Som - A Batida de Casablanca é um simpático mas frágil convite de Nabil Ayouch para entrar na vibração do hip-hop juvenil marroquino.
Imagine-se algo entre O Clube dos Poetas Mortos e Fame, mas com um professor jovem de rosto fechado e um registo cinematográfico indeciso entre o musical e o documentário. Alto e Bom Som - A Batida de Casablanca remete-nos para ambas as referências americanas, mas não tem o alcance dramático nem de uma nem de outra. Ainda assim, qual é a sua especificidade? Aquilo que este bem-intencionado filme de Nabil Ayouch possui de único é o seu olhar sobre a juventude de um bairro de Casablanca, Sidi Moumen, onde existe um centro de artes a alimentar a criatividade e a esperança de rapazes e raparigas presos à sua conjuntura social, cultural e familiar.
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O hip-hop surge então neste cenário como uma lufada de ar fresco, sendo por excelência uma sonoridade antissistema, como diz o professor, antigo rapper que, recém-chegado ao centro, vai dar espaço aos ditos rapazes e raparigas para encontrarem a sua voz de protesto através da música. Inicialmente com uma postura áspera em relação àqueles que despejam nas suas letras os problemas pessoais, Anas (Anas Basbousi), como seria de esperar, acaba por ir estreitando laços com os miúdos entusiastas à medida que as aulas se transformam em ocasiões de debate sobre a sociedade marroquina, desde a questão religiosa à tradição patriarcal. Ocasiões essas em que a conversa, tal como vários outros aspetos de Haut et Fort (no título original), ficam pela rama, ou não fosse este um filme desajeitado na sua genuína intenção de nos ligar à corrente enérgica dos jovens de Sidi Moumen.
Um dado importante para o espetador se conectar melhor à realidade destas personagens e do centro em causa é saber que se trata, efetivamente, de uma escola fundada pelo realizador nesse subúrbio empobrecido, e que o elenco é composto por atores não profissionais que apresentam uma versão ficcionada de si próprios. No contexto das aulas, isso até começa por dar ao filme uma espontaneidade interessante, que nos faz desejar que Ayouch siga por caminhos semelhantes ao do magnífico documentário O Professor Bachmann e a sua Turma, da alemã Maria Speth, estreado este ano. Mas o franco-marroquino não tem mãos para a matéria humana à frente da sua câmara, como tinha em Muito Amadas (2015). Limita-se a deixar-nos apontamentos daquelas personalidades em formação - incluindo cenas domésticas soltas - procurando um efeito coral que só resulta, de facto, no plano performativo. Isto é, quando se troca a batida realista pela linguagem efémera do musical.
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Apetece abraçar este retrato de geração pela sua sinceridade, boa vontade e comentário intrínseco. Porém, é difícil ignorar que se chega ao fim com a sensação de que o filme, movido por clichés aqui e ali, não é capaz de definir arcos emocionais nem oferecer um vislumbre, uma sugestão intrigante sequer, sobre a história do professor, que é quase uma figura unidimensional: dá aulas, vagueia e dorme dentro do carro. Digamos que acender a chama do espírito rebelde, estimular a auto expressão e perseverança de miúdos talentosos não basta para atingir a nota certa num filme que se fica por um bom rascunho de ideias.

dnot@dn.pt
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