Conhecido pela obra, tão singular como monumental, da Quinta da Regaleira, em Sintra, António Augusto de Carvalho Monteiro (1848-1920) foi um homem tão rico que os portugueses, sempre lestos no gatilho da alcunha, o designaram por Monteiro dos Milhões. Com essa fortuna, amealhada pelo pai que emigrara para o Brasil em tenra idade, entregou-se à busca pelo conhecimento literário e científico e ao gosto pela arte. A tal ponto que, em 1903, encomendou aos relojoeiros parisienses Leroy & Cie um relógio de bolso em ouro, que, durante anos, foi considerado o mais complexo do mundo. A peça era, aliás, tão valiosa, que os fabricantes, na necessidade de o fazer chegar a Lisboa, só a depositaram nas mãos do rei D. Carlos, que, na altura, se encontrava em Paris..Mas Carvalho Monteiro era muito mais do que um caprichoso. Entre os luxos a que se entregou conta-se a constituição da que foi considerada a coleção camoniana mais importante do século XIX (e decerto uma das melhores de sempre). Era composta por milhares de volumes luxuosamente encadernados em Portugal e no estrangeiro, mas também por manuscritos e objetos artísticos, inspirados em Camões e na sua obra.Boa parte dessa coleção pode agora ser vista na exposição justamente intitulada Camoniana, no Museu de Artes de Sintra. Ali, podemos ver numerosos objetos artísticos e documentos originais, alguns dos quais nunca antes foram apresentados ao público..Do notável conjunto fazem parte pinturas e desenhos inéditos de Domingos Sequeira, Metrass, Casanova, Sendim, Cifka e David Lubin, entre outros. De destacar ainda a cópia fidelíssima do primeiro retrato do poeta e a sua primeira representação em busto, assinada por Jules Droz, e muitas edições da obra lírica, épica e dramatúrgica. Entre elas, figura uma 1.ª edição de Os Lusíadas, datada de 1572 e a primeira tradução, em castelhano, publicada oito anos depois, por ordem do rei Filipe II, que, por ser filho de Isabel de Portugal, lia em português e estava a par do que de melhor se fazia por cá, em matéria de artes e literatura..Carvalho Monteiro viveu numa época em que a obra e, sobretudo, a figura real e mítica de Camões foi transformada em símbolo da regeneração nacional com que tantos sonhavam nas décadas finais da monarquia. Em 1880, as comemorações do tricentenário da morte do poeta tiveram como ponto alto a trasladação dos restos mortais de Vasco da Gama e do que se considerou serem os de Luís de Camões para o Mosteiro dos Jerónimos. Mas o programa comemorativo incluiu ainda a inauguração do Bairro Camões, em Lisboa, e a realização de um cortejo cívico, organizado pela Sociedade de Geografia de Lisboa, que percorreu as ruas da cidade a 10 de junho de 1880.Esta celebração do tricentenário seria também a primeira oportunidade de protagonismo do então recém-criado Partido Republicano Português, já que Teófilo Braga foi um dos principais dinamizadores das comemorações.Insuspeito de qualquer simpatia pela causa republicana, Carvalho Monteiro, que era amigo pessoal do rei D. Carlos, incluiu, apesar disso, uma vasta memorabilia do evento na sua coleção. Entre outros, vários pratos alusivos, como aquele em que se lê “A Luiz de Camões, os patriotas de 1880”.Em destaque na exposição está também a camoniana do rei D. Manuel II, que, sendo um importante bibliófilo com um interesse particular pelos livros antigos portugueses, incluindo incunábulos, veio a adquirir, já no exílio em Inglaterra, boa parte da camoniana de Carvalho Monteiro, após a morte deste, em 1920..De resto, a bibliofilia do milionário não se esgotara na devoção a Camões, já que na sua biblioteca pessoal foi encontrada também uma importante camiliana, além de uma vastíssima coleção dedicada a temas científicos, como a entomologia (ramo da zoologia que se ocupa dos insetos).Muito ao gosto da Europa do seu tempo, o milionário foi ainda um colecionador e estudioso dedicado de conchas e borboletas.Ao longo de anos de investigação, a equipa responsável pela exposição procurou reconstituir a coleção bibliográfica e iconográfica de Carvalho Monteiro, hoje dispersa entre coleções particulares e públicas a nível nacional e internacional. Entre as peças apresentadas, incluem-se algumas provenientes dos espólios do Museu de Lisboa, Biblioteca Nacional de Portugal, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Fundação da Casa de Bragança, Fundação CulturSintra, Museu da Ciência da Universidade de Coimbra e Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, entre outras entidades.Esta Camoniana estará patente até 19 de abril e integra o programa nacional de celebrações dos 500 anos do nascimento de Luís de Camões. .João Francisco Vilhena: “Vejo Camões nos 300 milhões de falantes da língua portuguesa”