O painel de azulejos sobreviveu ao terramoto que destruiu parte da cidade que representa e para além de ser uma das obras que leva mais visitantes ao museu, também é "uma fonte importante para conhecermos a Lisboa pré-terramoto", afirma Alexandre Pais ao DN.."É o maior painel conhecido com uma representação de Lisboa - em termos de azulejaria - e, mesmo com todas as questões relacionadas com a perspetiva, muitos olissipógrafos consideram-no um documento importante" do período anterior a 1755, explica o conservador do Museu Nacional do Azulejo..Com cerca de 23 metros de comprimento, representa 14 quilómetros de costa e retrata edifícios que, à época, eram marcos da cidade: igrejas, conventos, palácios mas também locais de vivência quotidiana da cidade, como o antigo Mercado da Ribeira - que na altura se situava no Campo das Cebolas, muito perto da Casa dos Bicos.."É um painel do século XVIII que nos mostra Lisboa vista do rio. Uma Lisboa que entretanto se perdeu, que é só uma memória, e que está presente nesta representação", descreve Alexandre Pais..O painel não está assinado - daí o facto de ser considerar ser de "autor desconhecido" - mas "tem vindo a ser atribuído por alguma historiografia ao artista de origem espanhola Gabriel Del Barco", esclarece.."Del Barco foi um dos principais mestres a introduzir a estética do azul e branco em Portugal, mas não é seguro que seja ele o autor do painel", acrescenta..Independentemente de quem poderá ter sido o autor, algo que se destaca no Grande Panorama de Lisboa é a forma como foi concebido e criado.."O processo criativo é muito interessante", considera Alexandre Pais, porque "terá sido feito não exatamente a partir de gravuras, mas a partir de pontos do rio.".Isto quer dizer que "muito provavelmente foram feitos desenhos por um pintor ou desenhador que terá ido de barco e se terá posicionado em vários pontos do rio e desenhado a paisagem", detalha o conservador..O facto de se basear em vistas desenhadas a partir do rio Tejo faz com que o painel não reflita uma perspetiva linear, não sendo possível identificar um único ponto de fuga (como o nosso olhar está tradicionalmente habituado a ver na representação de um espaço tridimensional)..No Grande Panorama de Lisboa, existem "deslocações em termos de perspetiva - ou seja - a representação não é planimétrica no sentido correto do termo", sintetiza Alexandre Pais. "Há áreas que são mais abertas, mais alargadas, outras áreas mais estreitas, dependendo da perspetiva que o pintor teve a partir do rio no desenho da cidade.".Esta forma de representação não linear tem "uma lógica muito interessante e tem muito a ver com o espírito da azulejaria portuguesa", defende o museólogo.. "A lógica é associar a ilusão com a realidade" porque "o painel permitia ao observador ver a Lisboa que ele não tinha hipótese de ver"..O painel permitia a quem o via ter "uma perspetiva que só uma ave ou Deus, olhando para a cidade, poderiam ter", caracteriza..Sabe-se que o Grande Panorama de Lisboa estava no Palácio dos Condes de Tentúgal, que se situava "próximo das Portas do Sol e próximo do que nós conhecemos atualmente como miradouro de Santa Luzia".."Estava colocado nas paredes da sala e dividido pelas portas, janelas" e estaria "colocado ao nível do pavimento" o que permitia a quem entrava na divisão ter "uma perspetiva de 360 graus da cidade", retrata Alexandre Pais..Uma visão única que combinava "a perspetiva aérea da ave ou do olhar divino sobre a cidade e, ao mesmo tempo, olhando pelas janelas do palácio, permitia ver o rio e o outro lado do rio, Almada." Segundo o museólogo, "esta junção entre a realidade passível de ser vista através das janelas do palácio e a representação da cidade que só muito parcialmente poderia ser vista pelo observador" é o que torna o painel um objeto artístico distintivo e excecional.."Este jogo entre ilusão e a realidade que é um dos aspetos predominantes da azulejaria portuguesa", refere..Apesar de se desconhecerem os motivos exatos que levaram à criação da obra, "tem todo o ar de ter sido uma peça encomendada", afirma Alexandre Pais..Sobre o local exato onde estaria no palácio, o conservador avança que seria numa "sala de aparato, de receção". E, apesar da parte atualmente visitável no museu ter cerca de 23 metros, "o que está aqui exposto não é a totalidade do painel."."Ainda temos uma outra secção - que está um pouco deslocada em relação ao painel - e é uma representação da zona de Xabregas, do Convento de São Francisco de Xabregas, que fica aqui próximo da Madredeus," revela. Na prática, isto quer dizer que "não temos a certeza se o painel não seria ainda um pouco maior.".Atualmente, não temos a noção total do painel, até porque teria uma moldura com mais duas filas de azulejos a toda a volta.."É completamente impossível fazermos um cálculo da dimensão da sala onde estaria. Mas tendo em conta esta questão do emolduramento, temos a noção que seria, de facto, um painel majestoso, muito sumptuoso no espaço onde se encontrava", assegura o conservador..O painel representa Lisboa antes de 1755 e retrata edifícios que não resistiram ao terramoto. Terá sido um milagre o painel ter sobrevivido a essa tragédia? "Tudo aquilo que sobrevive a uma tragédia é um milagre, não é?", responde Alexandre Pais a sorrir e destacando a importância da obra como "uma fotografia" da riqueza arquitetónica da cidade pré-terramoto.."Muitos dos edifícios retratados já não os conhecemos, desapareceram entretanto e alguns eram icónicos da cidade, como o Palácio Corte-Real. Mas outros sobreviveram de forma diferente e também é interessante ver como aquilo que nós hoje conhecemos não era assim na sua origem", reflete..O painel, conhecido internacionalmente, é umas das principais atrações do Museu do Nacional do Azulejo e motivo de muitas visitas, sobretudo de turistas estrangeiros. Mas afinal, quantos azulejos tem o painel? Alexandre Pais não desvenda o mistério, mas apela à resolução do enigma: "é um exercício aberto a todos aqueles que nos venham visitar. Convido todos os que quiserem a virem contá-los!".elsa.rodrigues@vdigital.pt
O painel de azulejos sobreviveu ao terramoto que destruiu parte da cidade que representa e para além de ser uma das obras que leva mais visitantes ao museu, também é "uma fonte importante para conhecermos a Lisboa pré-terramoto", afirma Alexandre Pais ao DN.."É o maior painel conhecido com uma representação de Lisboa - em termos de azulejaria - e, mesmo com todas as questões relacionadas com a perspetiva, muitos olissipógrafos consideram-no um documento importante" do período anterior a 1755, explica o conservador do Museu Nacional do Azulejo..Com cerca de 23 metros de comprimento, representa 14 quilómetros de costa e retrata edifícios que, à época, eram marcos da cidade: igrejas, conventos, palácios mas também locais de vivência quotidiana da cidade, como o antigo Mercado da Ribeira - que na altura se situava no Campo das Cebolas, muito perto da Casa dos Bicos.."É um painel do século XVIII que nos mostra Lisboa vista do rio. Uma Lisboa que entretanto se perdeu, que é só uma memória, e que está presente nesta representação", descreve Alexandre Pais..O painel não está assinado - daí o facto de ser considerar ser de "autor desconhecido" - mas "tem vindo a ser atribuído por alguma historiografia ao artista de origem espanhola Gabriel Del Barco", esclarece.."Del Barco foi um dos principais mestres a introduzir a estética do azul e branco em Portugal, mas não é seguro que seja ele o autor do painel", acrescenta..Independentemente de quem poderá ter sido o autor, algo que se destaca no Grande Panorama de Lisboa é a forma como foi concebido e criado.."O processo criativo é muito interessante", considera Alexandre Pais, porque "terá sido feito não exatamente a partir de gravuras, mas a partir de pontos do rio.".Isto quer dizer que "muito provavelmente foram feitos desenhos por um pintor ou desenhador que terá ido de barco e se terá posicionado em vários pontos do rio e desenhado a paisagem", detalha o conservador..O facto de se basear em vistas desenhadas a partir do rio Tejo faz com que o painel não reflita uma perspetiva linear, não sendo possível identificar um único ponto de fuga (como o nosso olhar está tradicionalmente habituado a ver na representação de um espaço tridimensional)..No Grande Panorama de Lisboa, existem "deslocações em termos de perspetiva - ou seja - a representação não é planimétrica no sentido correto do termo", sintetiza Alexandre Pais. "Há áreas que são mais abertas, mais alargadas, outras áreas mais estreitas, dependendo da perspetiva que o pintor teve a partir do rio no desenho da cidade.".Esta forma de representação não linear tem "uma lógica muito interessante e tem muito a ver com o espírito da azulejaria portuguesa", defende o museólogo.. "A lógica é associar a ilusão com a realidade" porque "o painel permitia ao observador ver a Lisboa que ele não tinha hipótese de ver"..O painel permitia a quem o via ter "uma perspetiva que só uma ave ou Deus, olhando para a cidade, poderiam ter", caracteriza..Sabe-se que o Grande Panorama de Lisboa estava no Palácio dos Condes de Tentúgal, que se situava "próximo das Portas do Sol e próximo do que nós conhecemos atualmente como miradouro de Santa Luzia".."Estava colocado nas paredes da sala e dividido pelas portas, janelas" e estaria "colocado ao nível do pavimento" o que permitia a quem entrava na divisão ter "uma perspetiva de 360 graus da cidade", retrata Alexandre Pais..Uma visão única que combinava "a perspetiva aérea da ave ou do olhar divino sobre a cidade e, ao mesmo tempo, olhando pelas janelas do palácio, permitia ver o rio e o outro lado do rio, Almada." Segundo o museólogo, "esta junção entre a realidade passível de ser vista através das janelas do palácio e a representação da cidade que só muito parcialmente poderia ser vista pelo observador" é o que torna o painel um objeto artístico distintivo e excecional.."Este jogo entre ilusão e a realidade que é um dos aspetos predominantes da azulejaria portuguesa", refere..Apesar de se desconhecerem os motivos exatos que levaram à criação da obra, "tem todo o ar de ter sido uma peça encomendada", afirma Alexandre Pais..Sobre o local exato onde estaria no palácio, o conservador avança que seria numa "sala de aparato, de receção". E, apesar da parte atualmente visitável no museu ter cerca de 23 metros, "o que está aqui exposto não é a totalidade do painel."."Ainda temos uma outra secção - que está um pouco deslocada em relação ao painel - e é uma representação da zona de Xabregas, do Convento de São Francisco de Xabregas, que fica aqui próximo da Madredeus," revela. Na prática, isto quer dizer que "não temos a certeza se o painel não seria ainda um pouco maior.".Atualmente, não temos a noção total do painel, até porque teria uma moldura com mais duas filas de azulejos a toda a volta.."É completamente impossível fazermos um cálculo da dimensão da sala onde estaria. Mas tendo em conta esta questão do emolduramento, temos a noção que seria, de facto, um painel majestoso, muito sumptuoso no espaço onde se encontrava", assegura o conservador..O painel representa Lisboa antes de 1755 e retrata edifícios que não resistiram ao terramoto. Terá sido um milagre o painel ter sobrevivido a essa tragédia? "Tudo aquilo que sobrevive a uma tragédia é um milagre, não é?", responde Alexandre Pais a sorrir e destacando a importância da obra como "uma fotografia" da riqueza arquitetónica da cidade pré-terramoto.."Muitos dos edifícios retratados já não os conhecemos, desapareceram entretanto e alguns eram icónicos da cidade, como o Palácio Corte-Real. Mas outros sobreviveram de forma diferente e também é interessante ver como aquilo que nós hoje conhecemos não era assim na sua origem", reflete..O painel, conhecido internacionalmente, é umas das principais atrações do Museu do Nacional do Azulejo e motivo de muitas visitas, sobretudo de turistas estrangeiros. Mas afinal, quantos azulejos tem o painel? Alexandre Pais não desvenda o mistério, mas apela à resolução do enigma: "é um exercício aberto a todos aqueles que nos venham visitar. Convido todos os que quiserem a virem contá-los!".elsa.rodrigues@vdigital.pt