Acreditava a comunidade científica que a singular criatura estava extinta há 65 milhões de anos. A 23 de dezembro de 1938, em jeito de embrulho natalício, veio a ictiologia a acolher a boa notícia. O celacanto, “fóssil vivo” cuja aparência é devedora de uma evolução com 400 milhões de anos, fora descoberto no litoral da África do Sul. Coube à naturalista Marjorie Courtenay-Latimer entregar o espécime ao ictiólogo sul-africano James Smith. “Afastei o lodo para revelar o peixe mais belo que já vi. De um azul-malva pálido, com leves tons esbranquiçados”, escreveria Marjorie. Um espanto face às maravilhas entretecidas sob as ondas que há décadas ocupam os olhos e a arte de um ilustrador científico português, também biólogo e docente. Pedro Salgado que conta com 40 anos de prática profissional e 35 anos de ensino, descreve-nos o seu “encontro” com um celacanto: “Tive no meu atelier um exemplar que veio conservado desde Moçambique, e que, depois de o desenhar, foi entregue ao nosso Museu de História Natural.”.Pedro Salgado e o trabalho que desenvolve é presença frequente em mostras e literatura científica. Sobre a arte que o traz, gosta de citar o escritor e cientista alemão Goethe: “As pessoas deviam falar menos e desenhar mais.” Porquê? “Porque desenhar é também aprender a ver melhor. Permite-nos desacelerar o tempo e descobrir coisas novas.”Recuemos à década de 1960. Conta-nos o biólogo marinho: “Passei a infância na Ericeira. Desde os 5 ou 6 anos, passava o tempo nas rochas e poças de maré à procura de bichinhos. Em vez de colecionar cromos, colecionava os desenhos que fazia com os peixes. E também colecionava selos de peixes, ainda os tenho guardados.”.Um apelo pelo mar e suas criaturas que Pedro Salgado já encontrava no pai, “um mergulhador, um dos pioneiros no início dos anos de 1960”.Das ondas da Ericeira, Pedro Salgado levou o seu entusiasmo pelo desenho para as mesas da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, na década de 1980. “Durante o curso de Biologia, lidava constantemente com imagens nos livros, artigos e relatórios. Tentava perceber como eram feitas, e esforçava-me por fazer algo o mais parecido possível. Aos poucos, colegas e professores pediam-me para ilustrar relatórios, papers e até cartazes”, recorda Pedro Salgado, formado em Biologia Marinha, em 1984..Ao ilustrador coube um primeiro trabalho “sério”, ainda como estudante de Biologia. “Foi um desenho em tinta-da-china de uma espécie de peixe para um artigo científico. Só mais tarde considerei a possibilidade de me profissionalizar em Ilustração Científica. Os papers que publiquei em revistas científicas durante os anos em que fiz investigação eram demasiado herméticos. A partir daí, com 27 anos, decidi abandonar o laboratório e concorrer a bolsas de estudo que me permitissem estudar nos Estados Unidos, onde a profissão de ilustrador científico estava já consolidada”, relata Pedro Salgado que, ainda no início dos anos de 1990, se formou em Ilustração Científica na Universidade da Califórnia, em Santa Cruz.Antes de avançarmos neste mundo da ilustração científica encontremos-lhe a definição pela voz de Pedro: “Trata-se da componente visual da comunicação científica, para a comunidade científica ou para outros públicos, incluindo o infantil e juvenil. Deverá ser rigorosa, atrativa, com boa leitura, estruturada com clareza e objetividade. É praticada em técnicas como a aguarela, tinta-da-china, grafite e técnicas digitais. Todos os desenhos passam por estudos de pormenor, com consulta de bibliografia, fotos e, quando possível, a observação direta de exemplares. Pode ser necessário o apoio de um especialista. Só depois se avança com a arte final.”Sobre a evolução do ensino da Ilustração Científica em Portugal, detalha o ilustrador: “Tem havido formação desde 1990, inicialmente com pequenos cursos no Museu de História Natural, passando a existir em universidades e politécnicos a partir da década seguinte. Temos no Museu de História Natural uma exposição, Ilustrare - Viagens da Ilustração Científica em Portugal, uma mostra desde o século XVI, com Garcia de Orta, até ao trabalho dos ilustradores científicos contemporâneos.”.Com um percurso onde se destaca a participação em cerca de 80 exposições, 16 das quais individuais, Pedro Salgado diz-se um “voyeur da natureza”. “No mar, continuo a sentir-me em casa, seja em snorkeling [mergulho sem garrafa de ar comprimido], em mergulho com garrafas de ar comprimido, a navegar para avistar golfinhos, baleias, tartarugas, ou mesmo a pescar. Tendo em conta a extraordinária biodiversidade que existe no mar, a verdade é que conheço muito pouco. Nos peixes, atraem-me as formas, as cores, as texturas, os padrões geométricos e os funcionais, o comportamento. Tragicamente, o que vejo hoje em mergulho, é quase um deserto submarino comparado com o que via há poucas décadas.”No presente, entre os projetos em que se envolve, Pedro Salgado destaca “o Grupo do Risco, um grupo de trabalho composto por artistas e cientistas, dedicado a expedições a espaços naturais, como Reservas da Biosfera da UNESCO”. “Aí, fazemos o registo dos valores paisagísticos e da biodiversidade através de desenhos em cadernos e de fotografia. Estivemos a trabalhar no nosso território, de norte a sul e ilhas, e também na Amazónia, Marrocos, Ilha do Príncipe e outros lugares, e publicámos já seis livros.”Autor de selos dos Correios de Portugal, no âmbito da Natureza e Biodiversidade, Pedro Salgado soma, entre outros galardões internacionais, vários primeiros prémios, nomeadamente no Congresso da GNSI, Guild of Natural Science illustrators, (1990) e no Concurso Internacional Ilustraciencia, Barcelona (2017). Junta ao currículo a docência na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa (2001-2021).Da miríade de espécies marinhas que ainda não captou na sua ilustração, há alguma que lhe preencha os sonhos? Responde-nos Pedro Salgado: “Todas elas me alimentam os sonhos, dar atenção à natureza é explorar uma fonte inesgotável de desafios, aprendizagem e prazer.”