Conhecido pela sua capacidade de colocar multidões a dançar, não deixa de ser uma surpresa o notável exercício de melancolia musical que o novo álbum do músico e produtor Moullinex, Requiem for Empathy, se revela a uma primeira audição. Moullinex é o alter-ego musical de Luís Clara Gomes, um antigo investigador científico na área da neurologia e astronomia, que se apaixonou pela música eletrónica um pouco por acaso, depois de ouvir a linha de baixo de um tema dos franceses Modjo, na pista de dança da Day After, famosa discoteca de Viseu, sua cidade natal. Um momento que é hoje um mero apontamento enciclopédico pois já há muito que o nome de Moullinex ficou indissociável de uma nova cultura disco e de clubbing em Portugal, surgida algures na primeira década deste século e em muito impulsionada pela Discotexas, a editora que ele próprio criou em 2007, com Xinobi. Foi no entanto em nome próprio, com os álbuns Flora (2012), Elsewhere (2015) e, especialmente, o aclamado Hypersex (2017), que Moullinex se tornou num dos artistas referência da nova música portuguesa. Estatuto ainda mais reforçado com Requiem for Empathy, um disco de contrastes entre luzes e sombras, pela frieza dos sintetizadores e pelo calor das vozes de gente como GPU Panic, Ekstra Bonus, Sara Tavares, Selma Uamusse e Afonso Cabral..Este é álbum diferente na obra de Moullinex, que primeiro apetece ouvir e só depois dançar, concorda? Sem dúvida. Aliás, o caminho escolhido desde o início foi deliberadamente diferente, em direção a um consumo mais introspetivo destes temas e não tanto na comunhão celebrativa conjunta que desde sempre fez parte da minha música..Não teve receio que isso pudesse ser mal compreendido pelos seus fãs? Não, porque sempre fui muito egoísta no meu modo de fazer música. Faço-a essencialmente para mim e o reconhecimento do público é como se fosse um prémio por esse trabalho, mas nunca é o que me move inicialmente..O que o levou então, desta vez, a fazer esta música, muito mais melancólica e introspetiva? Ali mais ou menos pelo meio de 2019 senti-me encurralado em diversos aspetos da minha pessoal. Passei por algumas perdas, como o desaparecimento do meu avô, que me fizeram perceber o quanto tudo isto é efémero. A minha música sempre foi feita para ser uma celebração e uma comunhão com o público, mas nesse momento percebi também que, talvez por isso, estava a falhar noutros aspetos importantes da minha vida. E como em muitas outras alturas, a música acabou por funcionar como uma terapia..E o resultado desse exercício de autoanálise foi este álbum? Sim, porque em vez de negar a ansiedade decidi abraça-la. E ao fazê-lo deixei entrar esses tons mais cinzentos no meu trabalho, substituindo a cor pelas sombras e a felicidade por melancolia. A dada altura, a questão passou apenas a ser se essa sonoridade se encaixava ou não no universo de Moullinex. E achei que sim, que era o mais honesto a fazer..Qual era a solução, criar um novo alter-ego? Essa questão já me surgiu noutras vezes, mas tendo em conta que faço tanta coisa diferente teria de estar constantemente a fazê-lo. Por outro lado, os artistas que mais admiro são aqueles que têm essa capacidade de romper com a sua obra anterior, por muito celebrada que ela seja. Gente como o David Bowie, Prince ou até o nosso Sérgio Godinho, que a cada novo trabalho parecem estar a recomeçar do zero. Não me estou a comparar com eles, como é óbvio, mas também gosto desse lado mais desconhecido da criação artística..Qual foi o critério de escolha para os convidados, todos eles vocalistas? As vozes são a luz que ilumina a sombra dos instrumentais. Existe uma parede cinzenta de sintetizadores que depois é colorida através da voz. Tive a sorte de conseguir ter exatamente as vozes que pretendia, que soam naturais e aparentemente sem grande esforço, mas são o resultado de muitos anos de trabalho..Apesar de ter começado a ser criado antes da pandemia, Requiem for Empathy, encaixa que nem uma luva neste tempo de suposto desconfinamento, também ele ainda um jogo de luzes e sombras bastante indefinido. Já tinha o álbum pronto em março de 2020, mas preferi não editar logo porque poderia soar demasiado premonitório em relação à pandemia e decidi esperar até voltarmos a ter alguma luz no horizonte, por muito ténue que ela ainda seja. Tudo isto foi um período transitório, de trevas, mas ao qual se seguirá novamente a luz, é essa a mensagem que também pretendo transmitir com este álbum..E estes concertos de apresentação servirão também para celebrar isso mesmo? Espero que sim, embora a festa habitual ainda não seja possível. Mas a vontade de voltarmos todos a beber desta fonte espiritual que é a música é tão grande, que até estamos dispostos a conceder as máscaras e a manter o distanciamento em prol de um bem maior. Estou muito contente pela reação do público, que esgotou logo a primeira data. E também por ir atuar numa sala muito simbólica e contemplativa, perfeita para apresentar um disco de viagem interior através de um espetáculo com uma forte componente visual, que ajuda a completar toda esta narrativa..Culturgest, Lisboa. 4 e 5 de junho, sexta e sábado, 21h. €17 Casa da Música, Porto. 9 de junho, quarta, 19h30. €17.dnot@dn.pt