À descoberta de uma família iraniana

<em>Leila"s Brothers</em>, filme do Irão assinado por Saeed Roustaee, é uma das boas surpresas da secção competitiva de Cannes: um drama familiar com ressonâncias universais.
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E se o filme iraniano Leila"s Brothers fosse, inesperadamente, um dos grandes candidatos à Palma de Ouro da 75.ª edição do Festival de Cannes? De facto, se o júri presidido pelo ator francês Vincent Lindon está à procura de filmes que reflitam experiências muito particulares (de pessoas, grupos, instituições, etc.), capazes de refletir o "estado do Mundo" e envolver importantes ressonâncias universais, esta terceira longa-metragem do iraniano Saeed Roustaee possui os elementos necessários e suficientes para satisfazer tais requisitos - tudo encenado com invulgar talento, importa acrescentar.

Num universo dominado pelo poder masculino, este é um drama construído a partir de uma personagem de mulher, Leila, interpretada pela brilhante Taraneh Alidoosti. O equilíbrio do seu núcleo familiar - os pais e os quatro irmãos que o título refere - vai ser abalado por convulsões que provêm tanto da escolha de um novo patriarca (da família, precisamente) como das perturbações decorrentes da instabilidade dos mercados financeiros (a certa altura, ironicamente ou não, abalados por um tweet publicado por Donald Trump).

Roustaee filma tudo isso com uma energia visual (e dramática, justamente) que resulta tanto da metódica encenação dos espaços públicos e privados como da energia contagiante de um elenco de invulgar qualidade. Leila"s Brothers é mesmo um filme que consegue essa proeza nada fácil, muito menos automática, de nos convocar para as subtilezas de um mundo pontuado por muitas componentes estranhas à nossa experiência social e cultural, ao mesmo tempo criando uma ambiência de envolvente intimidade. Com ou sem Palma de Ouro, talvez não seja arriscado prever que surgirá entre os premiados.

O mesmo não parece possível para o novo filme da francesa Claire Denis, mais uma vez a dirigir uma produção em língua inglesa. Chama-se Stars at Noon, adapta o romance homónimo de Denis Johnson, e segue as atribulações de uma jovem jornalista americana na Nicarágua (Margaret Qualley) que, ao envolver-se com um inglês enigmático, descobre a ténue fronteira entre o romance e a possibilidade de sobrevivência... Independentemente das potencialidades da história, os clichés narrativos e o tratamento convencional e "pitoresco" das paisagens dão como resultado um dos filmes menos interessantes da competição de Cannes.

dnot@dn.pt

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