Não é mistério: ninguém praticamente vai ver cinema francês às salas comerciais, exceto quando são comédias de verão popularuchas como Oh Lá Lá, mas todos os anos, durante a Festa do Cinema Francês há casas cheias e um entusiasmo em todo o país em torno dos filmes franceses. Como explicar? É fácil: a Festa é bem organizada, tem clientes habituais e, pelo menos em Lisboa, é já um dos acontecimentos nobres da rentrée cinematográfica. É como se o público fosse de olhos fechados ver as novidades de uma indústria cada vez mais global - o cinema francês continua a ser um dos mais exportáveis do mundo a seguir ao americano….Começar com um épico de 3 horas....Nesta 25.ª edição há motivos para acreditar que a bitola não vai baixar, sobretudo porque há uma variedade de registos e de géneros que é bem capaz de englobar vários públicos. É seguro afirmar que há um apetecível cabaz do novo cinema francês..Na abertura, O Conde de Monte Cristo, por Alexandre Patellière e Mathieu Delaporte, a partir do eterno Alexandre Dumas. Em Cannes, teve direito a sessão fora-de-competição, e faz parte desta nova trend de recriar os grandes clássicos da Literatura francesa com budgets generosos. São 3 horas de cinema industrial sem vergonha na cara e há um Pierre Niney em muito boa forma na pasta do herói/vilão do filme. Em Portugal, a projeção será acompanhada por Patrick Mille, um dos elementos de um vasto elenco de luxo. Refira-se que Mille é de origem portuguesa - na verdade, nasceu em Lisboa..Das muitas antestreias que vão rodar pelas salas do país, há um óbvio destaque para A Vida entre Nós, de Stéphane Brizé, um dos grandes filmes do Festival de Veneza do ano passado. É exibido já esta sexta-feira no São Jorge e narra o reencontro de dois amantes em Saint Malo, ele um ator conhecido, ela uma professora de piano italiana. Uma história de corações partidos filmada com um bom gosto emocional único. De Brizé, conhecido por filmes de denúncia social, não se conhecia este humor tão fino. Filme marcado ainda por uma interpretação siderante de Guillaume Canet, mais uma vez a jogar com as perceções da sua imagem de vedeta..Filmes pecados em festivais de lista A.Também de Cannes chega Diamante Bruto, de Agathe Riedinger, dia 8, drama juvenil sobre uma jovem de 19 anos de Fréjus que sonha obsessivamente com a fama e o reconhecimento digital. Inquietante retrato de uma geração, capaz de ser digno na representação de uma perseverança feminina..No dia 11, oportunidade para ver um dos títulos marcantes da competição da anterior edição do Festival de San Sebastián, O Sucessor, thriller claustrofóbico de Xavier Legrand, o autor de Custódia Partilhada, aqui a filmar uma história de um segredo horrível em Montreal. Um thriller que é compatível com uma ideia de melodrama familiar. Será sem dúvidas um dos casos desta edição..Esta sexta-feira é também o dia de O Teorema de Margueritte, de Ana Novion, drama psicológico acerca de uma jovem estudante de matemática que tenta descobrir uma fórmula para desvendar um teorema impossível. Garantidamente não é preciso ser fã de matemática para entrar neste fascinante mundo de génios. Um belo exemplo de um cinema de mercado que não toma como tolo o espectador. Foi igualmente visto no Festival de Cannes….Os Novos Vizinhos, de André Téchiné, ou o regresso de Huppert a uma câmara que lhe quer bem….Dia 13 aguarda-se Os Novos Vizinhos, de André Téchiné, com Isabelle Huppert. Regresso mais do que competente de um dos heróis do cinema francês dos anos 1980, desta vez a narrar uma história de vizinhos entre uma senhora de meia-idade e um casal de jovens vizinhos ativistas. Espelho de uma França dividida, Os Novos Vizinhos é realmente um acontecimento imperdível nesta Festa. Huppert é de uma perfeição de estremecer!.O que é menos recomendável.Mas nesta Festa há também tiros ao lado: Chá Preto, de Abderrahmane Sissako só está aqui para mostrar que França não larga o cinema africano. Esta viagem por uma comunidade africana na China foi uma das desilusões estrondosas no último Festival de Berlim e é bem capaz de ser o maior passo em falso de Sissako; e Os Indesejáveis, de Ladj Ly é um amontoar de clichés sobre a situação dos banlieue de Paris. De Ly esperava-se muito mais após a aclamação de Os Miseráveis. Ainda assim, o realizador vai estar em Portugal para apresentar esta obra. Pena, muita pena, um dos melhores filmes franceses do ano aqui não estar: Marcello Mio, de Christophe Honoré….Como a Festa do Cinema Italiano, esta também dedica um espaço à cinegastronomia. É a secção Cinema à Mesa, este ano com O Sabor da Vida, de Tran Anh Hung, reencontro mágico entre Benoît Magimel e Juliette Binoche - só é pena não haver depois um jantar subordinado às refeições do filme, aliás como é prática em alguns festivais..Para quem perdeu filmes franceses que estiveram este ano em exibição nas salas, a Festa programou uma secção chamada Segunda Chance. Um agora ou nunca que integra filmes mesmo obrigatórios como a Palma de Ouro de Justine Triet, Anatomia de uma Queda; Jeanne Du Barry- A Favorita do Rei, de Maewen, com Johnny Depp; Nada a Perder, de Delphine Deloget, drama sobre maternidade que passou ao lado; Rosalie, de Stéphanie Di Giusto, com uma espantosa Nadia Tereszkiewicz.