Concretização de Abril: por que o 1º de Maio é mais do que feriado em Portugal
O Dia do Trabalhador em Portugal é celebrado no país, assim como no restante do ano, nesta quinta-feira (1º de Maio), mas por 48 anos a data não foi motivo de celebração na terrinha. Durante o Regime Militar (1926 - 1974) no país, a ditadura salazarista reprimiu de forma violenta as manifestações e comemorações da data, que só voltou a ser feriado e motivo de luta e festa após a Revolução dos Cravos.
Para muitos portugueses, aliás, o 1º de Maio de 1974 foi a concretização dos valores de abril, afinal foi dia que marcou a volta de políticos antes exilados, que falaram para mais de 100 mil pessoas com cravos nas mãos. Até hoje, o desfile do Dia do Trabalhador é um dos principais dias do ano para muitos residentes em Portugal, inclusive coletivos que defendem os direitos dos imigrantes e que estarão presentes na marcha desta quinta-feira.
Em entrevista realizada no ano passado ao jornalista do Diário de Notícias, Vítor Moita Cordeiro, o militante do Partido Comunista Português (PCP), Domingos Abrantes recordou sobre o momento histórico. “O 1.º de Maio é absolutamente incomparável”, sublinhou. "É qualquer coisa que ocorreu seis dias depois da Revolução [do 25 de Abril] e foi uma espécie de um referendo na rua à vitória revolucionária dos militares de Abril. Isso é, para mim, inesquecível", disse na época o militante, várias vezes preso político durante a ditadura salazarista.
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Foi também naquele dia em 1974 que dois dos principais nomes da política portuguesa, Álvaro Cunhal (PCP) e Mário Soares, do Partido Socialista (PS), que se encontravam exilados do país durante a Ditadura Militar falaram pela primeira vez ao público. A tarde ficou marcada pelos discursos dos respectivos líderes que voltavam à Portugal junto com a liberdade.
As palavras do próprio Mário Soares naquele dia dão força ao contexto de 'concretização dos valores de Abril' celebrado por muitos portugueses acerca do 1º de Maio. “Em 25 de Abril, as Forças Armadas destituíram o Governo fascista e colonialista de Marcello Caetano, mas foi hoje, foi aqui, que nós destruímos o fascismo. Essa vitória não é de ninguém. Essa vitória é do povo português”, declarou no dia o antigo líder socialista, falecido em 2017.
O 1º de Maio marcou, portanto, o simbolismo de uma conquista de algo que diferentes gerações em quase 50 anos tentaram aplicar: a celebração do Dia do Trabalhador, finalmente garantida em 1974 e, com a democracia estabelecida em Portugal, comemorado até hoje.
Em todos os anos desde então o 1º de Maio é comemorado com um desfile em Lisboa que culmina no mesmo cenário onde foi feita a concentração de dezenas de milhares de pessoas em 1974, na Alameda Dom Afonso Henriques. No percurso, que vai desde o Martim Moniz até a Alameda, pessoas às janelas dos edifícios jogam cravos para a Avenida Almirante Reis, repleta de gente que canta palavras como "Somos muitos, muitos mil, para concretizar Abril".
Entre os grupos, diferentes partidos políticos, sindicatos e até coletivos que defendem os direitos dos imigrantes, marcam presença. Nesta quinta-feira, por exemplo, o grupo Solidariedade Imigrante marca presença na festa, reivindicando "um trabalho digno, pela igualdade e documento para todos" que escolheram Portugal para morar.
A marcha do Dia do Trabalhador, vale pontuar, é marcada por muita luta entre a concentração e discursos finais da manifestação, mas assim que o comício termina, é chegada a hora da festa e descanso daqueles que marcam presença na data. A Alameda torna-se palco de diversas bancas de bebida e comida, o espaço é perfumado pelas primeiras sardinhas da primavera e a música tradicional portuguesa é celebrada no espaço que vira um verdadeiro festival.
A concentração no Martim Moniz nesta quinta-feira (1º) está marcada para às 14h30. Já o momento de festa na Alameda costuma se esticar até por volta das 20h.
Representação no cinema
O filme 'As Armas e o Povo', produzido pelo Sindicato dos Trabalhadores da Produção de Cinema e Televisão foi filmado em Lisboa entre o 25 de Abril e o 1º de Maio de 1974. Curiosamente, a produção teve um toque brasileiro: o sindicato reuniu diferentes diretores portugueses junto com Gláuber Rocha, que se encontrava exilado na Europa no período.
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Considerado um dos principais diretores da história brasileira e responsável pelo movimento chamado de Cinema Novo, que revolucionou a indústria no país, Gláuber foi à rua no Dia do Trabalhador para falar com o povo português. Acompanhado de uma equipe de filmagem, o cineasta brasileiro entrevistou soldados, políticos e cidadãos comuns e documentou a grande festa da liberdade naquele dia.
O filme é até hoje muito reproduzido em escolas e faculdades portugueses e revela a tamanha importância do 1º de Maio em Portugal, uma data que fez, de fato, a Revolução dos Cravos se concretizar. Se passar pela região da linha verde do metrô de Lisboa nesta quinta-feira (1), não admire se se deparar com uma mobilização tão grande quanto na semana passada, quando se comemoram 51 anos do 25 de Abril.
O documentário 'As Armas e o Povo', de Gláuber Rocha, está disponível neste link do Youtube.
nuno.tibirica@dn.pt