Que ruas vão ser cortadas? Quem pode passar? As perguntas dos lisboetas a Medina
Catarina Teixeira tem 77 anos, mas ideias jovens. Faz parte da Associação de Moradores da Misericórdia e dá o seu aval ao projeto da Câmara Municipal de Lisboa para retirar carros da zona da Baixa, através da criação de uma Zona de Emissões Reduzidas (ZER). Está a pensar no ambiente, na poluição da capital e no futuro das gerações mais novas. E, mesmo que um "bocadinho receosa" pela forma como a mudança possa afetar os idosos e a facilidade de acesso a suas casas em caso de emergência, aguarda "as melhorias". "Sou a favor. É preciso cidadania", diz, ao DN, no final da primeira sessão pública de apresentação da ZER, esta quinta-feira, no espaço da Junta de Freguesia da Misericórdia.
A casa encheu. Moradores, familiares, comerciantes, operadores turísticos mobilizaram-se para garantir que Fernando Medina, presidente da Câmara de Lisboa, conhecia as suas preocupações. O sentido do trânsito nas ruas e os locais condicionados fizeram subir o tom das vozes, sem esquecer a questão das visitas aos residentes e as limitações impostas a operadores de veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica (TVDE), como a Uber ou a Bolt, enquanto os táxis podem continuar a circular livremente.
As opiniões divergem muito. Nem todas as pessoas aplaudiram a opinião da moradora Catarina Teixeira. Houve quem pedisse a palavra para dizer: "Estão a tornar a minha vida miserável. Eu já estou a tomar medidas para me ir embora" ou para falar em insegurança pública com a diminuição do movimento de carros. Fernando Medina mostrou-se disponível para ouvir as criticas e fazer alterações ao projeto - que só em março deverá ser aprovado e o regulamento enviado para um período de consulta pública -, mas deixou claro que quer avançar com a ideia e que não há outra alternativa para reduzir a quantidade de poluição nesta zona. "Esta é talvez das propostas mais importantes com as quais nós estamos a trabalhar neste mandato autárquico", voltou a referir o autarca.
Durante uma apresentação, antes do período de perguntas, Fernando Medina anunciou que a Avenida da Liberdade e a Avenida Almirante Reis ultrapassam em 50% o limite máximo de emissões de dióxido de carbono propostas pelo Acordo de Paris. "A poluição é o um inimigo invisível", apontou e prometeu reduzi-la com medidas que estejam ao seu alcance. Quer cumprir as metas ambientais, diminuindo o congestionamento do trânsito. Confrontado com a poluição feita pelo Aeroporto de Lisboa, pelo Terminal de Cruzeiros e pelo impacto real destas medidas, Medina referiu que a cidade continuava "a ter de resolver um problema associado à poluição automóvel".
A proposta da ZER prevê que o trânsito automóvel na Baixa-Chiado passe a ser exclusivo para residentes, portadores de dístico e veículos autorizados (comerciantes, táxis, motos e veículos elétricos) com matricula posterior a 2000, entre as 06.30 e as 00.00, a partir do verão. A exceção são todos os carros de cidadãos com mobilidade reduzida, das forças e serviços de segurança, de proteção civil e serviços em missão de urgência, veículos funerários em serviço, motociclos, ciclomotores e velocípedes.
A ZER abrange parte das freguesias de Santa Maria Maior, Misericórdia e Santo António, sendo delimitada a norte pela Calçada da Glória, Praça dos Restauradores e Praça do Martim Moniz, e a sul pelo eixo formado pelo Cais do Sodré, Rua Ribeira das Naus, Praça do Comércio e Rua da Alfândega.
Nesta primeira sessão de apresentação pública estava também a presidente da Junta de Freguesia da Misericórdia, Carla Madeira, eleita pelo PS, que acredita que este projeto pode "melhorar a qualidade de vida" das pessoas. Apesar disto, Carla Madeira não deixou de apresentar as suas reservas quanto ao número de vezes que uma visita de um morador pode estacionar na zona (dez por mês) e em relação ao período estabelecido para as cargas e descargas ser apenas durante a noite (entre a meia noite e as 6:30). Como solução para o primeiro problema, sugeriu a criação de um banco de horas "para que cada morador possa dispor de um conjunto de horas ao longo do mês".
"Porque é que os táxis têm o privilégio de poder passar e os uber não, por exemplo?", pergunta um morador. Os táxis pertencem aos automóveis com regime de exceção neste plano. Já os restantes operadores terão de ter veículos elétricos para transportar passageiros para a Baixa.
Sobre isto, Fernando Medina explica que "a lei trata os uber de forma diferente dos táxis", uma vez que os segundos estão sujeitos a regulamentação e a um contingente, aprovado pela Câmara. Já os primeiros não e, por isso, existe receio de que estes substituam os carros que estão a ser proibidos de entrar na Baixa, inviabilizando o projeto. "Nas cidades onde se permitiu a circulação de Uber, ao fim de pouco tempo", ficaram "congestionadas na mesma", indicou o presidente.
Foi ainda levantada, por agentes turísticos, a questão dos tuk-tuk que atualmente circulam na Baixa e sobre os quais o plano ainda não tece uma sentença. Medina assumiu que a sua vontade é restringir a quantidade destes veículos, mais uma vez por uma questão de congestionamento, mas prometeu sentar-se com as associações do setor para juntos chegarem a um compromisso.
Esta prometia ser a freguesia onde o teste à ideia de Medina podia ter mais aceitação, por ser a zona alvo de menos mudanças. Mesmo assim, o presidente da Câmara não conseguiu escapar às críticas e a atropelos durante o seu discurso. Os moradores revelaram-se ainda preocupados com a insegurança na zona da Misericórdia e acusaram Medina de não resolver a situação.
Um dos munícipes denunciou situações de roubos frequentes e um aumento do tráfico de droga no Largo do Calhariz, que temem que fique ainda mais desprotegido depois das obras. Em resposta a esta preocupação, o autarca admitiu conhecer a situação e que "esta tem vindo a piorar", mas que a proposta da Câmara para instalar um sistema de videovigilância na zona encontra-se à espera de autorização do ministério da Administração Interna e da Comissão Nacional de Proteção de Dados. "Assim que tivermos o ok, as câmaras serão instaladas", prometeu.
Quanto à aplicação da ZER, as mudanças estão agendadas para o verão - durante os meses de julho, agosto. Até lá, durante o mês de fevereiro, o executivo camarário estará a apresentar o projeto às juntas de freguesia, associações de moradores, de comerciantes e à assembleia municipal. Só em março, o plano deverá ser aprovado e o regulamento enviado para um período de consulta pública. Em junho arrancam as campanhas de informação sobre as novas regras, apesar de o registo para a obtenção dos dísticos poder ser efetuado a partir de maio.