Mesmo com 'dúvida Kinder', Lisboa vai ter mais poder e dinheiro

Lisboa vai aceitar transferências de competências na gestão de estradas, lojas do cidadão e habitação. De forma automática fica já com algumas responsabilidades que lhe garante mais receitas. Na discussão até a definição de Kinder Bueno mereceu alguns segundos.
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A partir de hoje, Lisboa vai ter o seu orçamento reforçado com uma maior transferência de verbas das multas de trânsito passadas na cidade. E passa a ter uma nova fonte de receitas: o licenciamento de jogos de fortuna e azar, como a autorização para a exploração das máquinas instaladas em cafés.

Estas são duas das consequências imediatas da aprovação na assembleia municipal (AM) da transferência de competências do Estado central para a autarquia no âmbito da Lei das Finanças Locais. Com os votos a favor de PS, PSD e PPM, contra do PCP, PEV, BE, PAN, MPT e o deputado independente Rui Costa e abstenção do CDS-PP, o município viu nesta terça-feira ser ratificada na AM a decisão do executivo de Fernando Medina de iniciar as negociações com o governo para a passagem de responsabilidades para a autarquia de novas funções. Abrangendo áreas como vias de comunicação, estruturas de atendimento ao cidadão, habitação e gestão do património imobiliário público sem utilização, as negociações devem estar concluídas e implementadas até 2021.

Se no caso destas quatro áreas será necessário um processo negocial para se apurar o financiamento que terá de ser entregue à câmara, tal como os meios humanos e patrimoniais envolvidos, há competências entregues de forma automática. São elas, por exemplo, a responsabilidade sobre as praias marítimas e fluviais (que não se aplica a Lisboa), autorização da exploração do jogo de fortuna e azar e as competências da sua fiscalização, algumas incumbências na área da justiça, apoio aos bombeiros voluntários, e no estacionamento público, atualmente já dependentes da Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa (EMEL) e da Polícia Municipal.

É nestas transferências automáticas que surgem os dois novos modelos de financiamento que vão garantir um aumento de receitas para a autarquia. No caso das licenças de jogo, segundo o vereador responsável pelas finanças da autarquia, são passadas cerca de 150 licenças anuais para esse efeito (atualmente na dependência do Ministério da Administração Interna) e o seu impacte financeiro não deverá ser elevado.

Já no que diz respeito ao trânsito, o que vai acontecer é que há uma nova distribuição das verbas obtidas com as multas. Assim, as receitas obtidas com a penalização de infrações mais graves (condução sob influência de substâncias psicotrópicas, por exemplo) passam a reverter a 100% para os cofres da autarquia. No caso das multas para situações menos graves (mau estacionamento, por exemplo), a câmara vai receber 70% do valor, revertendo os restantes 30% para entidades com responsabilidades nesta área. Não existindo uma estimativa de quanto financiamento pode representar esta alteração.

Os pontos essenciais

Após a aprovação desta terça-feira, a câmara vai iniciar as negociações com o governo sobre os meios - humanos e financeiros - que serão transferidos para serem implementados no terreno os diplomas da transferência de competências. Sendo que há situações em que essa atribuição de responsabilidades não se aplica: é o caso do capítulo referente às vias de comunicação. Atualmente, devido a protocolos assinados com a Infraestruturas de Portugal, Lisboa já tem sob a sua alçada as estradas que existem na cidade exceto o eixo Norte-Sul, a CRIL e a A5, e estas vias estão fora desta negociação pois o diploma que prevê a transferência de competência exclui as autoestradas concessionadas, os itinerários principais e os complementares.

No que diz respeito às estruturas de atendimento ao cidadão, a autarquia vai ter de negociar a transferência das duas lojas de Cidadão já existentes na capital - nas Laranjeiras e Chelas -, pois em relação à que está a ser construída no Mercado 31 de Janeiro os seus serviços já foram acordados com o Estado, como explicou o vereador com o pelouro das finanças João Paulo Saraiva.

No caso da habitação que existe em Lisboa, atualmente da responsabilidade do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana e da Segurança Social, vai ser constituída uma comissão para se apurar quais são os imóveis, as suas condições de habitabilidade, contratos e receitas associados e só depois de se reunir estes dados será negociada a transferência de competências e o respetivo financiamento.

O último ponto deste pacote está relacionado com a gestão do imobiliário público sem utilização. Também aqui tem de ser identificada a totalidade desses imóveis e a câmara decidir quais os que quer sob a sua tutela. E estes dois temas são dos mais importantes para a autarquia, pois os imóveis em causa podem vir a integrar os programas de rendas acessíveis que estão programados para a cidade. Sendo que no caso da habitação, a lei prevê um prazo de 120 dias para que o governo apresente o montante de financiamento que está disponível para entregar à câmara.

Dúvidas e um Kinder Bueno

A discussão na assembleia municipal mostrou uma divisão de ideias entre os partidos mais à esquerda do PS e os à sua direita. Nas várias intervenções foram deixadas dúvidas e críticas sobre a decisão de aceitar as transferências de competências, nomeadamente sobre a falta de esclarecimentos sobre os valores financeiros que o governo terá de transferir.

No meio dos argumentos, o momento de melhor disposição acabou por envolver o deputado municipal do CDS-PP Diogo Moura que, justificando a abstenção do partido, disse que o pacote de transferência era como o Kinder Bueno "bonito por fora e sem se saber o que tem lá dentro". Na sua última intervenção, João Paulo Saraiva explicou que o deputado se tinha equivocado: "Sr. deputado sabe-se o que está lá dentro 'é creme de avelã'. No Kinder Surpresa é que não se sabe."

Quanto às transferências de competências elas foram aceites e a autarquia já se prepara para o próximo pacote que vai envolver a educação, saúde, cultura, ação social, por exemplo.

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