Artista espanhol dono de palácio na Graça obriga EMEL a fechar parque

José María Cano interpôs uma providência cautelar para encerrar o equipamento porque do 1.º piso do parque é possível ver os jardins e terraços onde o artista costuma dar festas para a elite espanhola. Mansão custou 3,5 milhões e fica perto da Feira da Ladra.
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É um dos bairros tradicionais mais famosos de Lisboa. José María Cano, artista plástico espanhol - e ex-membro da banda de pop-rock Mecano - apaixonou-se pela Graça e principalmente por um palacete na zona, mesmo ao lado da Feira da Ladra. Em 2017, comprou-o por 3,5 milhões de euros. Tudo estava bem até a EMEL decidir construir um parque de estacionamento de dois pisos: o primeiro andar tem vista privilegiada para o Tejo e para os jardins e terraços do palácio. José María Cano decidiu recorrer à justiça para encerrar o parque invocando que o equipamento põe em causa a sua segurança e a privacidade. A imprensa espanhola noticiou a polémica e o El País escreve que no bairro português o artista não terá muitos amigos.

O Palácio Teles de Menezes, construído no século XVII, fica no Largo de S. Vicente. Ali o artista tem passado longas temporadas e usado os grandes jardins e terraços do palácio para dar festas grandiosas - em maio de 2018 organizou um baile de máscaras veneziano onde compareceu a elite espanhola.

O Parque de Estacionamento da Graça fica na Rua da Verónica e foi inaugurado em novembro de 2018, mas o piso superior está encerrado - precisamente devido às queixas do vizinho famoso. Não satisfeito, José María Cano interpôs uma providência cautelar para obrigar a EMEL a encerrar o parque - a ação foi aceite mas ainda não há decisão tomada, lê-se no comunicado da empresa municipal.

Parque custou quase um milhão de euros, mas não é só para moradores

A EMEL diz que o parque foi construído "na sequência de concurso público e licenciamento emitido pela Câmara Municipal de Lisboa cumprindo com todas as especificações legais". Contou ainda com o parecer da da Direção Geral do Património Cultural (dado que integra um troço da Muralha Fernandina de Lisboa)", acrescenta a empresa.

O parque custou 940 mil euros que correspondem "à reabilitação de um espaço que estava subaproveitado", refere a mesma nota, e "permitiu a conservação de um troço da muralha fernandina da cidade de Lisboa".

A EMEL garante que o equipamento é de utilização exclusiva dos moradores e que dispõe de 115 lugares de estacionamento para automóveis, "dos quais quatro reservados a deficientes e quatro para o carregamento de veículos elétricos". O equipamento foi (mais) uma resposta da autarquia à falta de estacionamento sentida pelos moradores do bairro da Graça.

Apesar dos problemas de estacionamento na freguesia, o parque não é de utilização reservada aos moradores. À porta, o placar da EMEL é claro ao anunciar os preços das assinaturas mensais para residentes - 35 euros - e para o público - 135 euros. É possível também estacionar por períodos curtos de tempo, mediante pagamento.

Questionada pelo DN, a EMEL garante que "o parque da Graça é preferencialmente para residentes" acrescentando que a empresa pública tem mais dois outros parques localizados a poucas centenas de metros, na Rua Damasceno Monteiro, "mais adequados para uma utilização ocasional".

Certo é que em dia de semana, o equipamento ainda tinha espaço livre e a funcionária que ali trabalha desde julho confirmou ao DN que os lugares existentes (metade dos 115 inicialmente previstos) têm sido suficientes. O mesmo confirmou a EMEL: "há ainda alguns lugares de avença disponíveis no parque da Graça, tanto para moradores como para público em geral", além de que os residentes podem ainda solicitar o dístico que permite o estacionamento gratuito na via pública. Difícil é encontrar um lugar vago.

A falta de estacionamento é um problema na freguesia - mais grave em zonas históricas da capital - mas há quem também não perceba a indignação do milionário espanhol. É que alguns moradores da Graça estavam habituados a olhar sem medo os "jardins tão bonitos" do palácio. O parque ocupa o espaço do antigo estacionamento dos Bombeiros e era ali que as crianças ensaiavam para a Marcha Infantil da Voz do Operário.

Telas temporárias não impediram providência cautelar

As queixas contra a construção do Parque de Estacionamento da Graça também chegaram à Junta de Freguesia de São Vicente, com alguns moradores da Rua da Voz do Operário a acusarem o novo equipamento de lhes roubar a luz natural das suas casas. Mas só José María Cano terá avançado com a pretensão de encerrar o parque.

A EMEL confirma que o proprietário do palácio "interpôs no Tribunal Administrativo uma providência cautelar com vista a impedir a abertura ao público do parque de estacionamento". Uma medida tomada pelo artista espanhol mesmo após a empresa municipal ter iniciado "um procedimento que permitiu estudar a possibilidade de alteração do projeto arquitetónico do parque para acomodar as pretensões do vizinho, que este acompanhou", lê-se no comunicado da empresa.

Uma alteração que consta na redução da transparência das fachadas do parque e que tem como objetivo "impedir as vistas sobre os jardins do edifício confinante", esclareceu a EMEL ao DN.

Contra a vontade de Cano o parque foi inaugurado, ainda que só com o piso zero a funcionar - a EMEL decidiu instalar umas telas temporárias que tapam parcialmente a vista dos grandes jardins do palácio. O piso 1 continua fechado, mas nada impede que, quem queira, suba as escadas para o primeiro piso e contemple a vista magnífica sobre o rio e sobre os jardins e terraços do palácio que José María Cano conseguiu comprar por menos metade do preço inicial: o Palácio Teles de Menezes foi colocado à venda por 7,8 milhões de euros.

O DN tentou contactar a presidente da Junta de Freguesia de São Vicente em relação à necessidade que os moradores do bairro podem sentir caso o tribunal decida pelo encerramento daquele parque, mas até ao fecho desta edição não obteve resposta.

A EMEL, no entanto, está confiante de que a justiça portuguesa não irá dar provimento à pretensão do artista espanhol e sublinhou que "qualquer interessado pode interpor providências cautelares nos tribunais, cujos efeitos são imediatos exceto quando o tribunal competente as rejeita - o que neste caso esperamos que venha a suceder em breve".

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