A revolução do centro de Lisboa vista por quem lá vive
Lado a lado, imagens com o agora e o depois. Ruas hoje cheias de trânsito como a da Prata pedonalizadas, apenas com elétrico e transportes coletivos; largos como o do Chiado, idem; passeios alargados e ciclovias na maioria das que mantêm trânsito. A garantia de ar mais limpo, menos ruído e um ambiente urbano mais aprazível, com autorização de circulação só para residentes, carros elétricos, táxis e pouco mais.
Foi assim, com um quase deslumbramento e sem reservas - muito menos questões práticas -, que se fez na sexta-feira o noticiário sobre as alterações propostas pela Câmara Municipal de Lisboa (CML) para a zona da Baixa-Chiado. Mas nem toda a gente achou o máximo. Houve desde logo quem perguntasse: e vai-se poder passar por onde? E quem, vivendo mesmo ao lado da zona proibida, temesse ter a vida muito dificultada.
Até porque há exemplos traumáticos. Como o que Filipa Won, 42 anos, conta num fórum de moradores da Santa Maria Maior, a freguesia a que pertencem Baixa, Castelo e Alfama. "Vivemos em Alfama, na ZAAC - zona de acesso automóvel condicionado - e há três anos o meu marido teve um cancro. Estávamos no inverno e um amigo disponibilizou-se para o vir buscar a casa para o levar aos tratamentos de quimioterapia no Hospital de Santa Maria. Mas a EMEL e a câmara não autorizaram o acesso, alegando que o regulamento não previa esta situação. Chegaram a dizer-me que lamentavam não corresponder às minhas expectativas." Indignados, Filipa e o marido recorreram à Provedora de Justiça, que lhes deu razão. "Foram dois anos até a CML, a EMEL e a junta arranjarem uma solução. Mas já não vieram a tempo, obviamente: os tratamentos já tinham sido concluídos."
A proposta da ZER (zona de emissões reduzidas) Baixa-Chiado parece ter integrado o ensinamento: há acesso garantido para cuidadores. Mas a inflexibilidade e a insensibilidade demonstradas no caso não são de bom agoiro para Filipa e outros membros do fórum, que concordam entusiasticamente com a necessidade de reduzir o número de automóveis no centro mas temem que as decisões tomadas, se garantem aos residentes na ZER a possibilidade de continuarem a usar os seus automóveis na zona de exclusão, não tenham em conta a existência de moradores nas zonas imediatamente ao lado da ZER.
Voltemos a Filipa, que vive desde 2004 em Alfama. Tem duas filhas, de 6 e 4 anos, e leva-as todas as manhãs à escola em Campo de Ourique. "Tenho de lá estar às 08.30 e levo 20 minutos a chegar, indo pela Rua da Prata, pela Avenida da Liberdade e pelo túnel do Marquês. Agora não podendo passar por aí [a Rua da Prata será pedonal, só com acesso à Carris, não permitindo sequer a circulação a táxis] não sei como vai ser."
Não se trata, garante Filipa, de querer andar sempre de carro. "Não me importo de andar a pé e de elétrico. Ando muito, e as miúdas têm passe. Quem vive nesta zona anda muito a pé. Mas o elétrico deixou de ser um transporte com que podemos contar porque está sempre cheio de turistas. E para estar em Campo de Ourique às 08.30, com o tempo que o elétrico demora - mais as hipóteses que há de ficar parado por algum carro mal estacionado -, tínhamos de sair praticamente uma hora antes. Dizer que os cidadãos deverão recorrer a transportes públicos porque é assim que se faz nas restantes cidades europeias é no mínimo pouco sério. Da minha experiência no estrangeiro, no máximo estamos três a cinco minutos à espera de um autocarro. Ainda não temos uma rede de transportes eficiente, pelo que só depois de este objetivo ser atingido se deveria pensar em tirar os automóveis da cidade."
O contra-argumento faz sentido: é também pela quantidade de automóveis na cidade que os transportes públicos de superfície são tão pouco eficazes. Mas Filipa tem uma resposta para isso: "Deveriam, creio, começar por impedir ou desincentivar a entrada de carros vindos de fora que entram no centro. Porque o que enche o centro da cidade não são os automóveis dos residentes. E sobretudo sinto que não estão a pensar em quem vive aqui. Se a ideia é trazer residentes para o centro, no mínimo há que manter os que cá residem! Não me parece que quem projetou o plano faça a mínima ideia do que é o nosso dia-a-dia. Talvez fosse interessante saber qual seria a reação da população de Benfica ou de Alvalade se fosse fechada ao trânsito a Estrada de Benfica ou a Avenida da Igreja. Ou a Avenida Fontes Pereira de Melo e a Almirante Reis fechadas ao trânsito dividindo assim os residentes dos dois lados..."
No site criado para tirar dúvidas sobre a ZER sobram as idílicas fotografias do antes e depois, os dados sobre emissões de CO2 e a previsão sobre a sua descida com as novas regras, mas faltam esclarecimentos básicos: como se irá agora, de automóvel próprio, de A a B? Que vias estarão vedadas aos automóveis dos residentes? Há inclusive zonas fora da ZER, como a Rua do Loreto e o Largo do Calhariz (a ZER acaba na Rua da Misericórdia), que estão, neste plano, reservadas só para transportes públicos - só há circulação de automóveis privados no Calhariz para quem vem da Calçada do Combro. Como é que se poderá fazer, mesmo de táxi ou de TVDE (estes últimos só elétricos, e sem existência de período de adaptação; a exigência de veículo elétrico não se aplica para já aos táxis), a travessia de uma colina para a outra? Se há bastante informação sobre os direitos dos residentes na zona de exclusão e sobre o que devem esperar os que visitam o centro da cidade, quanto aos vizinhos - ou seja, as pessoas que vivem mesmo ao lado - as perguntas e as respostas são basicamente omissas. E mesmo o relatório de 61 páginas disponível no site, que inclui, na página 56, um mapa detalhado mas muito difícil de compreender, deixa muito para adivinhar.
O que se sabe para já é que os veículos elétricos, seja qual for a sua proveniência, podem circular na ZER, que abrange parte das freguesias de Santa Maria Maior, Misericórdia e Santo António, sendo delimitada a norte pela Calçada da Glória, Praça dos Restauradores e Praça do Martim Moniz, e a sul pelo eixo formado pelo Cais do Sodré, Rua Ribeira das Naus, Praça do Comércio e Rua da Alfândega.
E que além dos automóveis dos residentes, que terão um dístico e poderão estacionar à superfície - os lugares para residentes, garante o site, aumentarão 50% -, haverá autorização de circulação para "turísticos regulares" (os circuitos hop-on hop-off, licenciados pela câmara) e para um veículo por loja (estes podem fazer cargas e descargas e tomar e largar passageiros, porém não poderão estacionar à superfície, só em parques de estacionamento). Os restantes trabalhadores na zona, incluindo profissionais liberais, não têm direito a entrar a não ser que possuam avença num dos parques de estacionamento da ZER - ou, claro, carro elétrico, ou moto (as motos podem circular, desde que posteriores a 2004).
Esta exclusão, garante Miguel Gaspar, o vereador da mobilidade da Câmara de Lisboa, aplica-se aos trabalhadores da CML: "Se têm avenças nos parques vêm de carro, senão não entram."
Vai haver também, assegura este autarca, uma "grande redução nos lugares de estacionamento atualmente reservados para hotéis e instituições como o Supremo Tribunal de Justiça [que se situa no Terreiro do Paço], o Banco de Portugal [que está na Rua do Comércio], etc. E os tuk-tuks que podem parar na ZER, além de terem de ser elétricos, serão reduzidos para 100." A ideia é aumentar o número de lugares para residentes, que deixam também de competir por eles com os habitantes das zonas limítrofes, que tinham dísticos que lhes permitiam estacionar na zona da ZER e deixam de o poder fazer. Em compensação, nessas zonas, que passarão a ZAAC, os lugares de estacionamento serão reservados a residentes.
Apesar de terem a vida aparentemente facilitada em comparação com a dos vizinhos do lado, os moradores da ZER também têm alguns anseios. Por exemplo, o de saber como poderão receber compras de supermercado e encomendas. Miguel Gaspar elucida: "Os residentes terão de indicar o número de matrícula para autorização." O mesmo se aplicará, adianta, a situações como a da necessidade de um canalizador ou semelhante - neste caso, o veículo terá de ser colocado num parque. A mesma lógica que para outros visitantes/convidados, cujos automóveis terão autorização, até um máximo de dez por mês e por agregado, com comunicação prévia. Há no fórum dos residentes de Santa Maria Maior quem torça o nariz. "Nas ZAAC a EMEL nem sempre responde logo, isso é bonito no papel mas na prática pode ser um inferno."
Boleias fortuitas desde logo são impossíveis - a não ser no horário "livre" - e uma moradora da ZER teme que dez "convites" por mês, se incluem entrega de encomendas e compras, seja inferior ao necessário. Exemplifica: "Durante algum tempo tive um serviço de limpeza que vinha uma vez por semana e um de engomadoria que vinha buscar e entregar roupa duas vezes por semana. Só isto já excede o número de 'convites' disponível."
E como se processará a entrada na ZER? Não terá barreiras, explica o vereador: "Há um sentido proibido, a partir do qual só podem entrar os veículos autorizados, e um leitor de matrículas, que as regista e permitirá multar quem infringir. Também vai haver operações stop." Estas proibições caem entre a meia-noite e as 06.30, quando qualquer veículo pode entrar.
A alteração destes limites horários é uma das reivindicações dos vizinhos de Santa Maria Maior, sobretudo tendo em conta o transporte de crianças.
"Nós, por exemplo, atravessamos a Baixa às 07.55 - para levar três crianças à escola - e a Baixa está vazia, não há carros. Seria muito mais lógico o horário de interdição ser das 08.00 às 20.00." Quem fala é Pedro Gadanho, 51 anos, ex-diretor do MAAT - Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia, que vive junto à Sé de Lisboa com a mulher e os filhos.
O mesmo diz Maria Sottomayor, 47 anos, jurista, residente, desde 1998, na Rua de São Mamede ao Caldas, uma transversal à Rua da Madalena (que constitui um dos limites da ZER). "Tenho quatro filhos menores - de 9, 13, 15 e 17 anos - que levo à escola de carro todas a manhãs, entre as 07.45 e as 08.15 (de minha casa até à zona das Amoreiras, passando pela Rua da Conceição, Rua da Prata, Rossio e Avenida até ao Marquês), e também usamos com muita frequência a Uber e afins. No meu quarteirão há várias famílias com crianças que também saem com os pais para a escola (fora da ZER) de manhã cedo. O trânsito de saída do bairro de manhã, pelas 07.45-08.15, e de regresso ao fim do dia é tranquilo (mesmo só com uma faixa disponível para descer a Avenida) porque a essas horas são essencialmente os moradores que fazem o trajeto nesses sentidos."
Convém, prossegue Pedro Gadanho, "pensar que tipo de habitantes se quer, afinal, fixar nesta zona: se apenas indivíduos com facilidade de mobilidade ou se também famílias com necessidades relativas ao transporte diário de crianças. As crianças foram muito referidas pelo presidente da câmara, Fernando Medina, na apresentação das novas regras, nomeadamente por exemplares razões de saúde, mas esperemos que não sejam depois esquecidas as suas necessidades específicas de mobilidade. Será também interessante ver quantas pessoas se encontram nesta situação - e dar a perceber que o número é tão ínfimo que, para todos os efeitos, não afeta a prioridade de diminuir o tráfego de atravessamento".
Até porque, frisa Maria, serão "as zonas adjacentes à Baixa aquelas onde se concentram os moradores e as suas famílias (já que a Baixa propriamente dita continua a ser uma área essencialmente de comércio, serviços e turismo, tendo grande parte da reabilitação urbana sido destinada a habitação secundária ou a alojamento local). Não faz por isso sentido deixar de fora algumas das áreas residenciais adjacentes (como a da colina do Castelo), como se os moradores em causa não fossem igualmente afetados."
Estes factos, consideram Maria e Pedro, deveriam levar a câmara a disponibilizar um dístico de atravessamento - e apenas de atravessamento - aos residentes destas zonas. "Esta é, para mim, a questão essencial para perceber se vou conseguir continuar a viver nesta zona ou se, depois do ataque da turistificação e da gentrificação, esta será finalmente a medida que me empurrará para fora do centro da cidade", conclui o arquiteto e curador, atualmente bolseiro em Harvard. Maria reforça: "Depois de mais de 21 anos a viver aqui, sempre esperei que um dia os moradores fossem minimamente considerados e compensados, através de um estatuto próprio que lhes conferisse algumas prerrogativas, nunca o contrário..."
Miguel Gaspar não se compromete. "Há coisas que são avaliáveis se nos apresentarem argumentos. Desde que não inviabilizem tudo. Porque não podemos tirar os carros sem tirar os carros."
No fórum dos vizinhos de Santa Maria Maior, o medo é precisamente de que as novas regras inviabilizem a vida normal dos residentes. Ou, ironicamente, piorem bastante a situação de alguns no que respeita a trânsito e poluição. Será o caso, temem, da Rua da Madalena, por onde passará todo o trânsito vindo do Castelo, Sé e Graça, e que de uma faixa de rodagem passa a duas, eliminando o estacionamento.
Inês Horta Pinto, de 40 anos, jurista, vive desde 2013 nesta mesma rua com o marido e o filho, agora com 6 anos. "Fiquei muito entusiasmada com a notícia destas alterações. A poluição já estava a começar a ultrapassar a turistificação excessiva na lista de situações que me fazem pôr em dúvida a opção de continuar a morar aqui. Mas o meu entusiasmo levou com um balde de água fria quando me apercebi de que a minha rua [da Madalena] fica "fora da zona de acesso condicionado. Pelo que percebi, está previsto manter-se a ligação da Avenida Almirante Reis ao rio, no sentido descendente via Rua dos Fanqueiros e ascendente pela Rua da Madalena. Se assim for, e se não houver quaisquer restrições, vão passar a confluir todos os carros para esta rua! A Rua da Madalena já é das mais poluídas da zona. Tem imenso tráfego e, sobretudo na parte da subida, em que os carros fazem um esforço maior, chega a ser irrespirável. Sempre que saio de casa com o meu filho, e levamos com essa fumarada, sinto-me uma mãe horrível. Esta é a minha maior preocupação com este projeto. Tem de se salvaguardar que esta rua também beneficie de medidas de redução da poluição. Para que serve uma pequena área de emissões reduzidas se estiver rodeada de um anel de emissões acrescidas? Ou a ZER abrange todo o centro histórico ou não faz sentido".
Outra moradora da Rua da Madalena, Fernanda Fragateiro, 58 anos, artista plástica, está igualmente preocupada com o acréscimo de trânsito e com o desaparecimento do estacionamento. Tendo comprado ali um apartamento em 1999, começou por ter lá o seu ateliê, mas desde 2015 vive nele com o marido, o filho mais novo e o cão. "Como sou escultora transporto todos os dias materiais, livros e esculturas porque também trabalho em casa depois de regressar do ateliê. Entre cargas e cão, o carro é fundamental para a minha vida profissional e pessoal. Costumo estacionar nas ruas dos Fanqueiros e da Madalena. Onde vão os residentes poder estacionar agora? E se há mais lugares para residentes nos parques, qual será o preço?"
O facto de o parque de estacionamento da Praça da Figueira passar a ter lugares para residentes, aponta Miguel Gaspar, poderá resolver o problema de Fernanda - mas não sabe dizer ao DN exatamente quanto custará a avença mensal nesse caso. Atualmente, no parque do Chão do Loureiro, junto à Rua da Madalena, e que ficará fora da ZER, a avença para residentes é 80 euros; desde 2019, esse valor desce para 50 se o residente devolver o dístico que lhe permite estacionar na rua. O preço para residentes é também de 50 euros no recente parque do Campo das Cebolas, onde Inês Horta Pinto tem o seu automóvel, que praticamente só usa para sair da cidade.
Um aspeto do plano que o vereador admite ter de ser já revisto é que sendo fronteira da ZER, na Rua da Madalena um lado - aquele onde moram Inês e Fernanda -, é ZER e o outro não. "Não faz sentido, tem de ser tudo." Quanto ao reforço do tráfego nesta via, admite que vai aumentar, mas não sabe dizer quanto - poderá ser até mais 50% na hora de ponta da manhã, admite. É aliás um problema que irá decerto verificar-se igualmente na Rua do Alecrim, que faz a ligação entre o Cais do Sodré e o Largo de Camões (outra extrema da ZER), também essa muito inclinada. Como na Rua de São Lázaro, que liga o Martim Moniz ao Campo de Santana-Mártires da Pátria e será a via utilizada para substituir o eixo Restauradores-Avenida da Liberdade. A probabilidade de grandes engarrafamentos nesta rua, que apesar de ter dois sentidos em algumas zonas não tem sequer largura para dois carros, é enorme - com a agravante de ser o caminho para o Hospital de São José.
Isso mesmo releva outro participante do fórum de habitantes de Santa Maria Maior: "Temos de não esquecer que a urgência de São José é acessível por aqui, por quem vem de toda a zona Oriental da cidade. Preocupa-me muito o acesso das viaturas emergência (ambulâncias e bombeiros), hoje várias a cada 5 minutos, que ligam todas as sirenes quando entram em obstrução e em emergência de atravessamento. E não vejo medidas para o acesso à colina do Castelo (incluindo o eixo Sé, Castelo, Portas do Sol e Graça). É fácil de imaginar que o trânsito ascendente e descendente irá congestionar horrivelmente o Largo da Madalena, sobretudo por veículos tuk-tuk, viaturas de aluguer (cada vez mais), para além dos veículos dos moradores, serviço, emergência e transportes públicos, que têm evidente privilégio sobre os turísticos."
Os veículos de emergência, de acordo com o que está anunciado, podem circular na ZER, mas para o acesso, de Oriente, àquele hospital específico não há neste momento alternativa à Rua de São Lázaro.
Fernanda Fragateiro está apreensiva. "Embora muito contente com a redução de poluição, preocupa-me a visão da Baixa enquanto Disneylândia, que estas alterações propostas pela CML não parecem vir a reverter. Esta operação parece pensada para dar uma vida melhor aos turistas, que podem desfrutar do centro histórico com mais tranquilidade e menos poluição, mas para os moradores o corte do atravessamento entre os bairros é muito limitador e reforça a ideia da Baixa como território-feira para turistas e não para as pessoas que ali vivem e trabalham."
Xana Campos, arquiteta e mulher de Pedro Gadanho, vê "muita hipocrisia" e até prepotência": "Metas de descarbonização na Baixa com um Terminal de Cruzeiros que polui mais que todos os carros privados a nível nacional, para ser mais específica, que os das oito maiores cidades portuguesas? E acham que é sensato a supressão de vias e artérias de atravessamento principais de circulação num centro de negócios, comercial, de serviços e residencial, vulgo uma Cidade Capital, congestionando, dificultando e multiplicando percursos irracionais de para-arranca em subidas íngremes que vão aumentar emissões com menos carros, em vez de diminuir emissões?"
Chamando a atenção para o facto de "os táxis a diesel poderem circular à vontade", frisa: "Há aqui famílias grandes. As famílias grandes têm toda uma logística, implicam carros grandes. As pessoas investiram milhares de euros nos carros, e numa certa altura havia incentivos a comprar a gasóleo. Agora dizem que têm de ser elétricos? Que fazemos agora?" Levanta ainda a questão da privacidade: "Com que direito o Estado se atreve a achar que tem de identificar quem visita quem?"
Outra participante do fórum de Santa Maria Maior quer saber o que se vai passar em relação aos transportes públicos. "Nos mais de 15 anos em que aqui vivo, não houve qualquer progresso a nível de oferta de transportes nesta zona. Até mesmo a proposta de carreiras de bairro que supostamente já deveria estar a funcionar não avançou. Continuamos com o elétrico 28 como único meio de transporte entre colinas, e sabemos bem que quase nem nos serve pela quantidade de turistas que o usa." Isto enquanto, lembra, "a permissão de acesso a apenas a tuk-tuks elétricos, que supostamente devia acontecer já há mais de dois anos, ainda não foi posta em prática." E pergunta: "Qual a pressa em condicionar ainda mais a vida a quem mora nesta zona, com soluções de tal forma restritivas e sem oferta adequada para fazer face às mesmas?"
Todas estas questões, crê Inês Horta Pinto, devem ser tidas em conta na fase de audição e discussão pública do projeto, que agora se vai iniciar e prevê reuniões com moradores. "É um procedimento crucial, pois, pelo menos que eu saiba, nunca fomos ouvidos ao longo de tanto tempo (dois anos, percebi bem?) de preparação desta medida."
Resta também saber se os moradores ouvidos serão apenas os da ZER ou se também os das zonas limítrofes terão ocasião de se pronunciar. Sofia Pinto Basto, arquiteta, moradora na Rua de São Mamede ao Caldas, suspira. "Qual é o fim último das políticas urbanas? Não devem ser os habitantes? Não a poluição, não os espaços verdes, não as ciclovias, não as zer e as zaac. Esses são fins intermédios. É estranho que isto não seja claro."