Um realizador entre extraterrestres e inteligência artificial
A viagem no tempo. O passado e o futuro. É essencialmente na alternância entre os dois que a obra de Steven Spielberg vem construindo pontes com o presente. Para o demonstrar não precisamos de ir muito longe. Temos um exemplo fresco dessa dinâmica da sua filmografia nos últimos trabalhos: depois de The Post - que trouxe à grande tela o caso Pentagon Papers, para fazer refletir sobre a atualidade - surge o novo Ready Player One - Jogador 1, um filme a projetar uma realidade virtual. Onde é que já vimos algo idêntico dentro do corpo da sua obra? Efetivamente, não é a primeira nem a segunda vez que Spielberg leva o espectador para estas paragens. Ninguém que tenha visto esqueceu o desconcertante retrato futurista de I.A. - Inteligência Artificial (2001), esse conto de um Pinóquio robô que deseja tornar-se humano para ser digno do amor materno. Pelo seu arrojo e excesso visual, sublinhado pelas performances de Jude Law e Haley Joel Osment (criança-revelação de O Sexto Sentido), talvez não haja modelo mais drástico de uma ficção científica spielbergiana do que este.
Porém, não foi aqui que tudo começou. É no profundo imaginário de Encontros Imediatos do Terceiro Grau (1977) e E. T. - O Extraterrestre (1982), filmes que funcionam como um díptico, que se encontra a semente do idealismo do realizador. Como se olhar de frente para um clarão - assim o fazem as crianças de ambos os filmes, em planos muito semelhantes - fosse o simbolismo máximo do "ir mais além" que definiria o seu cinema. Aqui, a ficção científica ainda é sinónimo de maravilhamento, mesmo que não ignore a amargura do quadro familiar.
A família e suas atribulações continua a estar, aliás, na base dramática de um filme como Guerra dos Mundos (2005), a versão de Spielberg da obra homónima de H. G. Wells que inverte o fascínio pelos extraterrestres, tornando-os uma ameaça. Por essa altura já o cineasta tinha explorado há muito as duas primeiras aventuras de Jurassic Park, dando início a uma pesquisa dos poderes da imagem digital... De entre todas as suas ficções científicas, talvez se coloque Relatório Minoritário (2002) numa prateleira isolada. A sua complexidade, extraída do conto de Philip K. Dick, não se cruza com formas de deslumbramento. Esse é um Spielberg adulto e inquieto com o futuro.