Querido diário, hoje vou andar na Montanha-Russa e vai ser o máximo
Ter 15 anos e querer fugir de casa para dar um beijo no rapaz da feira. Ter 16 anos e perder a voz de menino e passar a ter uma voz de cana rachada. Ter 13 anos e, de um dia para o outro, ser uma menina crescida e não se sentir nada confortável naquele corpo que é seu. Ter 18 anos e uma vontade louca de conhecer o mundo e não ficar parado. A adolescência é aquele período da vida em que deixamos de ser crianças e ainda não somos adultos. Em que os pais não nos compreendem e só queremos estar com os nossos amigos. Ou então ficar fechados no quarto a ouvir aquela música muitas vezes. Em que precisamos desabafar com alguém esta angústia de não sabermos bem quem somos e começamos a escrever um diário.
Ser adolescente é viver numa permanente montanha-russa - essa é a imagem que atravessa o espetáculo criado por Inês Barahona e Miguel Fragata que se estreia na sexta-feira no Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa. A ideia de trabalhar sobre a adolescência começou depois de fazerem The Wall, em que o público se dividia: de um lado os adultos, de outro as crianças, que tinham experiências de espetáculo diferentes. "Percebemos que tínhamos deixado os adolescentes de fora", lembra Inês. "Eles vinham ao espetáculo e não sabiam bem de que lado colocar-se." A ideia para Montanha-Russa começou exatamente aí: "Este é um espetáculo sobre a adolescência mas não é um espetáculo para adolescentes, é para todo o público. Não queremos gavetas."
Por isso, Montanha-Russa apresenta-se no horário normal de todos os outros espetáculos na Sala Garrett. Sem condescendências. E também por isso nunca lhes passou pela cabeça ter adolescentes a interpretar o papel de adolescentes. "Não, isso não nos interessava. Porque este espetáculo é nosso, somos nós a pensar sobre a adolescência, e nós já não estamos nesse lugar", explica Miguel. "Mas fizemos um grande trabalho de pesquisa, se não estaríamos a fazer um espetáculo cliché com as ideias que os adultos têm sobre a adolescência." Para fugir a esse cliché, estão a trabalhar há um ano e meio. Com os atores (Anabela Almeida, Bernardo Lobo Faria e Carla Galvão), com os músicos (Hélder Gonçalves, Manuela Azevedo, Miguel Ferreira e Nuno Rafael) e, acima de tudo, com adolescentes - que intervieram de diferentes formas em várias fases da criação, trazendo para o palco as dúvidas, a linguagem, os medos, os desejos. As críticas a tudo o que foi sendo feito.
Tudo começou com um apelo público: entreguem-nos os vossos diários. "Tínhamos uma urna nas barbas do Almeida Garrett [no átrio do teatro] e um endereço de e-mail. Recebemos diários em papel, a maior parte deles são mesmo os originais, com cadeado e folhinhas de cheiro. Recebemos alguns digitais", conta Miguel. "Quase todos são diários do passado, de pessoas que já não são adolescentes. Já esperávamos isso - um adolescente dificilmente partilharia uma coisa que fosse secreta ou íntima, é preciso um distanciamento."
Foi a partir desse material que surgiram as quatro personagens de Montanha-Russa. Uma adolescente da década de 1970 (Anabela), outra dos anos 80 (Carla), um de 2000 (Miguel) e outra da atualidade (Bernardo) - e este último já não tem um diário, tem um blogue. "Enquanto o diário em papel estava naquele limbo de ser secreto mas também querer ser lido, percebemos que hoje em dia aquilo que se escreve já não tem essa dimensão íntima, aquilo que se escreve é imediatamente para ser lido, é sobre si mas para se dar a conhecer", explica Inês. Independentemente da data ou do formato, os temas eram universais: "A amizade, a descoberta, os ajustes de contas, a agressividade e a passividade em relação à família, esta relação muito forte com os amigos, a pertença a um grupo - tudo isso é transversal nestes diários", diz Miguel. A eterna pergunta: quem sou eu?
As quatro histórias estão unidas por uma montanha-russa, a Ciclone, a maior alguma vez construída, com 26 metros de altura. Nesta fase da vida, em que se vai "do topo do mundo ao lugar mais profundo", como diz uma das canções, as vivências e as angústias que os quatro jovens experimentam em palco não destoam das que os adolescentes vivem na realidade. Ali se fala do primeiro cigarro (e de todas as primeiras vezes), da vontade de morrer, das loucuras, do medo de crescer, de muito mais.
No espetáculo, tal como na vida dos adolescentes, a música (composta por Hélder Gonçalves) tem um papel importantíssimo. A música acompanha todos os momentos importantes e tanto pode ser superdepressiva como "a abrir", ajudando-nos também a acompanhar o crescimento destes adolescentes e levando-nos "para outras zonas, mais densas". Crescer é como andar numa montanha-russa: queremos que aquilo acabe depressa mas, depois, quando acaba, gostaríamos de poder continuar. "A viagem vai continuar? Será que isto não vai parar?"
Informação útil:
Montanha-Russa
De Inês Barahona e Miguel Fragata
Teatro Nacional D. Maria II, Lisboa
De 9 a 27 de março
Bilhetes: 5 /17