Polícia vai estar no lançamento do livro "Alentejo Prometido"
O cronista Henrique Raposo tem sido insultado e ameaçado por alentejanos que se sentem mal retratados pelo seu livro. O lançamento, na próxima terça-feira, vai, por isso, ter atenção especial da PSP
A polícia vai estar presente no lançamento do livro Alentejo Prometido, de Henrique Raposo, na próxima terça-feira, dia 8, na livraria Bertrand do Picoas Plaza, em Lisboa. A garantia foi dada ao DN pelo intendente Hugo Palma, porta-voz da Direção Nacional da PSP, que explicou que a polícia prevê ter uma "presença discreta" no local mas, para já, não vai assegurar outro tipo de proteção ao escritor enquanto não houver um pedido formal nesse sentido e um nível de ameaça maior.
"O homem não sabe o que diz"
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"Espero que ninguém compre o teu livro pois envergonhas qualquer alentejano com tanto disparate", lê-se num comentário no Facebook. "O homem não sabe o que diz. Mais um parvalhão que teve uma ideia luminosa de como ganhar dinheiro a dizer mal", escreve outro. Estas são algumas das reações ao livro Alentejo Prometido, escrito por Henrique Raposo e publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos. E citamos apenas os comentários mais comedidos - sem palavrões e que não incitam ao ódio.
Os insultos levaram já à mudança do local do lançamento do livro - esteve inicialmente marcado para a Galeria Tintas & Tintos, que, entretanto, se quis afastar da polémica. Entretanto, "a Fundação Manuel dos Santos contactou informalmente a PSP para que déssemos um parecer sobre as condições de segurança que haveria para se realizar o lançamento do livro, uma vez que o autor tinha recebido várias ameaças na internet. Para já, o que vimos foi uma ameaça ao nível do insulto. O comando de Lisboa da PSP está a avaliar a situação, mas se o nível de ameaça não aumentar, o que vamos garantir é uma presença discreta no lançamento do livro", adiantou Hugo Palma.
O livro de 107 páginas é mais um dos "Retratos da Fundação", coleção dirigida por António Araújo que tem publicado pequenos ensaios, num estilo entre a reportagem e um tom mais pessoal. O último é de Henrique Raposo, de 36 anos, licenciado em História e mestre em Ciência Política, cronista do Expresso desde 2008, onde tem assinado vários textos polémicos (por exemplo, em 2013, foi o autor da crónica "As crianças não são hiperativas, são mal educadas"). A "Petição contra o destaque dado aos textos do Henrique Raposo no website do Expresso" ganhou nova visibilidade nos últimos dias e tem atualmente mais de 3600 assinaturas, mas a verdade é que já existe há pelo menos dois anos. O autor já estava, portanto, habituado a ouvir críticas e a ter reações menos positivas aos seus textos. Mas nada o preparou para isto.
O suicídio é "natural" no Alentejo
Alentejo Prometido é, acima de tudo, um livro de memórias de Henrique Raposo e da sua família alentejana. Os avós moravam em Foros da Pouca Sorte, aldeia do concelho de Santiago do Cacém. Em 1965 migraram para a Cintura Industrial de Lisboa, ou Margem Norte, levando consigo os oito filhos mais novos (tinham dez), incluindo o pai do autor. Henrique nasceu em 1979 e, nesse ano, os avós voltaram para a aldeia. Em 1999, já mais velhos, regressaram à Grande Lisboa para morar com os filhos. "Desde essa altura, nunca mais senti vontade de voltar aos Foros da Pouca Sorte", escreve.
O autor assume o tom confessional: tudo começa num dia de verão de 2015 quando, após 16 anos, regressa à aldeia para o casamento de um primo. O reencontro com a família que tinha ficado no Alentejo e com a casa onde tinha passado tantas férias e Natais despertou nele a vontade de escrever um livro sobre a região. Da pobreza dos avós à iliteracia persistente, do pouco catolicismo ao suicídio, da desconfiança dos alentejanos à discriminação das mulheres, da dura vida no campo ao isolamento das povoações. Como uma espécie de road movie, Raposo relata a viagem que fez naqueles dias, as histórias que foi recolhendo, as memórias dos familiares, as suas perplexidades, tudo intercalado com dados históricos e sociológicos que procuram ajudar a perceber o modo de ser dos alentejanos - fechados, calados, antipáticos, duros, nas palavras do autor.
O livro não teve ainda tempo de ser lido e discutido como deve ser. Mas o capítulo sobre o suicídio foi pré-publicado pelo Observador e o autor participou no programa Irritações, de Pedro Boucherie Mendes, na SIC Radical, onde afirmou que o suicídio é natural no Alentejo e falou do modo como as mulheres alentejanas aceitavam a violação caladas. Foram essas declarações que inflamaram os ódios de alguns alentejanos.
Uma nova petição, intitulada "Não à venda do livro do Raposo", foi criada e tem já mais de 2200 assinaturas de pessoas que não querem "mais Raposos a denegrir a cultura e gentes de norte a sul de Portugal". As caixas de comentários, nas petições e nas páginas de Facebook, tornaram-se campo de batalha e de insultos ao autor, houve tentativas de organizar manifestações no dia do lançamento do livro e ontem havia a circular a fotografia de um homem a queimar um exemplar de Alentejo Prometido.
"Nada justifica a intifada"
"Sim, eu podia ter contextualizado melhor as histórias que contei; falar na TV não é o mesmo que escrever e, às vezes, não percebo isso. Mas, seja como for, nada justifica o ódio internético de milhares de pessoas que nem sequer leram o livro. Nada justifica a intifada", escreveu Henrique Raposo no Expresso do passado sábado.
Por seu lado, a Fundação Francisco Manuel dos Santos emitiu um comunicado no qual não refere especificamente o livro Alentejo Prometido mas explica que "encara o debate plural e a diversidade de ideias como elementos fundamentais para a construção de uma sociedade mais livre e mais justa". E acrescenta: "O convívio com a crítica feita com elevação, o respeito pela opinião do outro e a recusa firme de toda e qualquer censura são valores essenciais desta Fundação." Essas são as premissas para um debate que deve acontecer "com liberdade e independência".
Nestes últimos dias, também se levantaram algumas vozes a defender Henrique Raposo - pelo menos, a defender o seu direito a publicar o livro, não só nas redes sociais como na comunicação social. "Considero absolutamente inaceitável que se ameace matar alguém por discordar das suas opiniões", escreveu André Azevedo Alves no blogue O Insurgente.
Henrique Raposo recusa-se a comentar à imprensa toda esta polémica. Numa pequena nota na sua página de Facebook explica: "Não se responde a uma multidão ou multidões que me acusam não sei do quê. Isto é uma espécie de tribunal popular e eu não me vou sentar no banco dos réus. Quando alguma entidade ou figura escrever uma contra-argumentação (e argumentar não é dizer "és uma besta" ou "não sabes nada do Alentejo"), então sim, eu poderei responder e defender o meu livro."
Na crónica do Expresso, o autor explica que não quis com o livro desrespeitar o Alentejo, antes pelo contrário: "Alentejo Prometido é uma carta de amor. Sim, é uma carta de separação, mas não deixa de estar ancorada no amor." E concluiu: "Procuro retirar o alentejano da caricatura patusca e mole feita pelo resto do país. Com ou sem intifadas na internet, vou continuar a fazer isto - sem nunca esconder o lado trágico e negro dos meus antepassados."