"O rapto de uma criança não tem desculpa"
Se alguém conhece o nome da ex-jornalista britânica Fiona Barton em Portugal é por ter lido as suas reportagens sobre o caso Maddie. Veio fazer a cobertura do desaparecimento da filha do casal McCann durante uma semana e ainda voltou à Praia da Luz segunda vez. Também pode reconhecer-se devido ao facto de ser a autora que, finalmente, encaixou no registo do sucesso do thriller psicológico praticado por duas outras escritoras: Gillian Flyn e Paula Hawkins. Respetivamente, autoras de Gone Girl e Uma Rapariga no Comboio, dois dos mais impressionantes livros do género, que deram volta ao mundo em traduções. Barton é a autora de A Viúva, um thriller psicológico que está traduzido em dezenas de países e chega nesta semana ao nosso país pela Editora Planeta.
A escritora vive atualmente num recanto longínquo de França depois de ter abandonado o seu país, numa aldeia onde convive apenas com outras cinco famílias. Por isso, foi até Bordéus para dar esta entrevista. Onde explica como tudo aconteceu a fez sair das páginas dos jornais ingleses para as dos livros lidos em todo o mundo.
Uma coisa percebe-se logo, Fiona gosta de conversar, ainda que quando o Sol se põe queira deitar-se porque é o que faz no campo. Bordéus, no entanto, é uma cidade de que gosta e no dia seguinte de manhã logo cedo quer ir passear e, num intervalo à sombra horas depois, experimentar um rosé da região. É aí que diz: "As minhas visitas a Portugal foram sempre ligadas a tragédias. Gostava de visitar o país numa ocasião feliz."
Fiona Barton foi jornalista generalista - "nunca quis especializar-me" - durante três décadas. Uma atividade que lhe dava tanto prazer como aquela por que trocou o jornalismo: "Foi sempre o quis fazer mal deixei a universidade. Não por acaso, é que o meu pai era jornalista e fazia a cobertura da região onde vivíamos. Fascinava-me quando telefonava para o jornal e ditava o seu artigo, sentado na mesa da cozinha." Termina a confessar: "Nunca quis ter outra profissão." Até que chegou a literatura...
Só há dois assuntos sobre os quais se recusa a falar: o caso Maddie, quando se quer saber a sua opinião, e se esteve tentada a alterar o assassino do seu livro. Do primeiro tema ainda falará na entrevista. Do segundo, só em off, para não estragar a surpresa aos leitores.
O sucesso de A Viúva é sorte de escritora principiante?
Não posso dizer que não tive muita sorte, porque com as centenas de livros que são enviados para os editores e agentes todos os dias é preciso haver esse elemento.
Escreveu o livro com a intenção de ser um thriller psicológico?
Não. Comecei a escrevê-lo em 2009 e fiquei pelos dez capítulos, incluindo o princípio e o fim. Só voltei ao livro em 2012 porque entretanto estava com muito trabalho. O original tinha dez mil palavras e alguém me disse que havia um concurso para textos com esta dimensão. Concorri e fui até à final, onde a condição era terminar o livro. Como havia um limite de tempo, fui obrigada a trabalhar nele e, mesmo não tendo vencido o concurso, fiquei com o livro pronto. Então, mandei-o para um agente.
Foi-lhe fácil encontrar o agente?
Googlei "thriller psicológico" e "agente" e apareceu "Madeline Milburn"... Que é a minha agente até hoje. Enviei-lhe o romance e obtive uma resposta rápida a pedir que lhe enviasse o livro completo. Depois de algumas sugestões, reescrevi partes e começou a procurar-se uma editora.
Aceitou as sugestões de reescrita?
Sim, ela achava que a personagem da jornalista deveria ser mais forte. E tinha razão, porque logo houve um editor interessado.
Porquê um policial?
Não era essa a minha intenção inicial. A história que tinha na minha cabeça era sobre um casamento com segredos e precisava que alguma coisa acontecesse naquele casal para que as suas vidas fossem viradas de alto a baixo. Claro que um crime seria era algo que iria provocar a mudança. Não era minha intenção escrever um thriller psicológico, antes uma história de vida. Curiosamente, o editor colocou o manuscrito logo nessa área.
Escolheu o pior dos crimes!
Sim, o rapto de uma criança, porque é aquele que toca toda a gente e para o que não há desculpa. Alguém que rapta uma criança não se pode justificar. Era o que queria.
É sobre Maddie ou por causa dela?
Não exatamente. Não o escrevi por essa razão, mesmo que reconheça que há ecos dessa situação. É um caso muito diferente, mais devido a ter feito a cobertura de muitos julgamentos e reparar em situações que se vivem lá e não são notícia.
Se não fizesse a cobertura do caso Maddie lembrar-se-ia do rapto?
Isso não sei. Tem havido tantas crianças raptadas e assassinadas! Cobri muitas histórias desse género e li muito sobre esses casos. Há no meu livro elementos das duas situações. O que mais me marcou neste tipo de casos foi o de um homem que dizia que estava num sonho e tinha lapsos de memória sobre as partes mais macabras. O que penso é que esse homem escolhia o que queria recordar, porque existem coisas demasiado penosas para se ter na consciência.
A personagem da jornalista é autobiográfica?
Nãooooooo.
Não usava as técnicas de manipulação que pôs na personagem ?
Estive em situações semelhantes, mas o que usei foram histórias que outros jornalistas me contaram. Mas também escondi dos colegas pessoas para ter exclusivos.