Na Síria, um guia para esmagar e oprimir o espectador

Na Síria, de Philippe Van Leeuw, é uma ficção sobre uma família fechada num apartamento em Damasco durante este conflito. Estreia esta quinta feira nos cinemas
Publicado a
Atualizado a

Está sentado com um sorriso sereno num cadeirão de uma suite do Grand Hotel da Ópera de Paris. Philippe Van Leeuw, 64 anos, é um homem feliz. A sua longa-metragem Na Síria está na ordem do dia. Infelizmente, vai dizendo, apesar de os prémios já serem dez em festivais pelo mundo fora. Todos eles prémios do público, o mais importante na Berlinale - venceu a votação popular na secção Panorama.

O que faz tantos cinéfilos amarem um filme de guerra todo ele situado num apartamento de Damasco, em pleno conflito armado? Será a compaixão por uma família acossada por tiros e violadores? Será a tensão do exercício claustrofóbico? O cineasta belga não tem respostas: "Fico impressionado como este filme toca em pessoas dos quatro cantos do mundo. Na Europa creio que gostam de mostrar um pouco melhor a situação dos refugiados, embora não mostre nenhum refugiado... Fico espantado pelo facto de Na Síria ter sido aclamado por pessoas de origens tão diferentes e também por não se tratar de um filme fácil, a sua premissa à partida afasta alguns tipos de público. Não dá mesmo para perceber como é que recebemos tantos prémios do público."

Em janeiro, quando conversámos com ele, a escalada de ataques na Síria estava em modo rotineiro, longe do flagelo destes dias, mas Philippe sentia já que a situação só poderia piorar. Não é por acaso que Insyriated, título internacional, foi rodado fora da Síria, em Beirute, e com alguns atores sírios que se tornaram refugiados: "Queria que o filme tivesse uma atmosfera genuína. Poderíamos ter filmado tudo num apartamento em Paris e ninguém repararia, mas o Líbano é um pouco o jardim da Síria. A língua é a mesma, tal como o estilo de vida."

Desconhecido dos portugueses, o cinema de Philippe Van Leeuw tem atravessado uma ideia de causas. O anterior The Day that God Walked Away abordava a questão do genocídio no Ruanda. Curiosamente, como diretor de fotografia, a sua verdadeira profissão no cinema, também tem dado luz para filmes com "tema", como Consultórios de Deus, documentário muito pró-interrupção da gravidez da francesa Claire Simon. Mas o que lhe interessava aqui era outra coisa: "O meu maior objetivo é mostrar como as pessoas normais são afetadas pela guerra. Quis saber qual seria a minha reação numa situação de guerra como esta, até onde nos mantemos íntegros num conflito..." Mas não estará também a filmar aquele momento em que o humanismo prevalece? "Acertou! Creio que conseguimos sempre ficar humanos, apenas com a exceção dos violadores. Aqueles dois violadores que vemos no filme são uma outra história. O meu filme concentra-se nas vítimas. Todavia, os predadores são tão fascinantes que o meu próximo projeto será centrado neles, no outro lado, num contexto diferente... Tenho estado a ler As Benevolentes, de Jonathan Littell, e aquela história do agente nazi é muito importante - temos de perceber o que passa pela cabeça dessas pessoas", responde. O tal projeto vai levá-lo de um apartamento na Síria até ao inferno da fronteira entre o México e os EUA.

No fim, é ele quem nos faz uma pergunta: este filme oprime o espectador? Oprime e esmaga, deixamos escapar. Esfrega as mãos e fala de dever cumprido: "Quis ter a câmara a respirar em cima dos atores, se possível em grandes planos sequência, sem cortes... três ou quatro minutos de um plano num apartamento fechado dá-nos uma sensação de tempo real. Fica-se com a sensação de que aquilo está realmente a acontecer. Por isso, o espectador sente-se oprimido". Obrigado pela opressão, Philippe!

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt