Serão poucos, assinalavelmente poucos, os cidadãos urbanos e minimamente sintonizados com as novas tecnologias que não "testemunharam", num raio próximo ou numa esfera alargada, perturbações e percalços nas relações amorosas ou conjugais causados por esses "avanços civilizacionais". Podem ser recados deixados ao descuido no telemóvel ou mensagens atiradas para a "selva urbana" que (também) mora no Facebook - uma palavrinha a mais, um desabafo, uma confissão, uma cumplicidade de contornos traiçoeiros e lá se entorna o caldo. Este livro de Fátima Casaseca, madrilena de 35 anos, a viver na Alemanha já há algum tempo, nasce de um sinal exterior deste tipo - Elena descobre nos "arquivos" de Alberto, com quem namora e vive, uma missiva eletrónica que, em função da misteriosa destinatária e do conteúdo clandestino, ganha contornos de comprometedora.
O que chega - e sobra - para que a mulher, despeitada, ponha em causa tudo o que se vai passando: o espaço que vai crescendo entre as conversas de ambos, a inexistência de programas a dois, o progressivo abrandamento do sexo no casal. Essas constatações são, de resto, apenas um ponto de partida para Elena, que depressa chega às grandes questões: será que alguma vez esteve realmente apaixonada por Alberto ou se limitou ao hábito de partilhar casa, mesa e cama, custando-lhe encarar a hipótese de uma rutura que, na sua idade (sem coincidência: a caminho dos 34 anos), significa um regresso ao "mercado" dos afetos? Mais: imagina-se a viver com Alberto daí a dez ou 15 anos, assumindo a perenidade da ligação?
Angustiada e indecisa, a figura central deste enredo que pode acontecer a muita - e boa - gente evita a "pega de caras", que passaria por uma conversa urgente com Alberto. Aos poucos, vai contando o ocorrido às duas irmãs (a mais velha é mais ponderada, a mais nova exige a "decapitação" do infiel), às amigas, que se repartem entre os esplendores ansiosos da gravidez e as suas próprias reticências face aos maridos, até aos colegas de trabalho, que começam a organizar umas divertidas e solidárias sessões de debate nos cafés e nos restaurantes. Cada cabeça, sua sentença - há momentos em que Elena se arrepende da sua multidirigida confidência, tantas são as recomendações e reivindicações dos que lhe estão próximos. Para cúmulo, um dos amigos do casal acaba por pedir-lhes asilo, uma vez que a mulher lhe anunciou (e por troca com outro) o fim da relação e o "empurrou" porta fora...
Fátima Casaseca - que se revelou com um verdadeiro livro "de ajuda", Una Mamá Española en Alemania - faz aqui a sua estreia na ficção, sem forçar a nota da verosimilhança, sem adornar excessivamente um enredo que ganha por ser convictamente seco, apesar das lágrimas que enchem quase todas as páginas. Estamos num território de grande cidade, com todas as disfunções e manias associadas, com personagens contemporâneas, que não se chegam às tiradas rebuscadas, antes se refugiam numa linguagem que já sofre a influência lógica dos computadores. Abdicando de tudo o que não é essencial (e isto não deve confundir-se com minimalismo), a autora vai acompanhando, com um rigor invulgar, os estados de alma da sua criatura, ao mesmo tempo que a coloca (sem alternativa) no olho do furacão, correspondendo este às pressões de quase todos os que a cercam, às vezes dando-lhe pouca margem para respirar e para refletir. Claro que há, qual cereja sobre o bolo, um final inesperado. Ou, como poderá sentenciar quem ler, uma metamorfose entre motivo e pretexto para um desfecho que uns adivinharão - e outros não. Em qualquer das hipóteses, a recomendação tem a ver com a vizinhança: ninguém (exagerando um pouco) está livre de uma destas e das sequelas emocionais que uma vivência assim traz a tiracolo. Lê-se depressa e bem, ainda por cima.
Nadie Se Muere de Esto
Fátima Casaseca
Ed. Debols!llo
192 Páginas
PVP: 12,30 euro