Lídia Jorge: "Sou uma escritora pré-fílmica"

Ao lançar um novo livro de contos, a escritora explica a sua relação com um passado em que existia a harmonia e como a violência vem questionar o descaso das lições da história.

Se o leitor tem curiosidade em saber o que vai na cabeça de um autor, no caso a escritora Lídia Jorge, o seu novo livro pode ser a chave para conhecer parte dessa intimidade. O Amor em Lobito Bay não é um romance, esse está "na fábrica" e em fase de grande avanço; nem uma peça de teatro como a que que já publicou neste ano, intitulada Instruções para Voar, mas um livro de contos em que cada um dos textos vai desvendando uma ou outra passagem da sua vida.

Lídia Jorge não revela onde estão as passagens autobiográficas mas aceita confessar que ao ler o livro já impresso sentiu que estava perante um trabalho que tem o valor do diário que já escreveu e que não consegue manter ativo por falta de tempo.

Então, ao ler-se os contos, vamos descobrindo numa personagem uma característica da escritora, noutra um cenário em que foi surpreendida pela realidade, numa outra ainda uma atitude de alguém que a chocou. Como é o caso do Dama Polaca, do qual se publica um extrato na edição em papel.

A escritora está desde ontem no Funchal, onde é a oradora convidada para encerrar o Festival Literário da Madeira. Curiosamente, a sua chegada à ilha foi atrasada por a companhia aérea ter vendido mais bilhetes do que os lugares no avião. Se fôssemos falar de situações autobiográficas presentes neste livro, o que lhe aconteceu é o mesmo que sucede ao protagonista do conto mais violento deste volume, o do texto Overbooking. Ou seja, a realidade cruza-se com a ficção mais uma vez.

Num trimestre publica uma peça de teatro e um livro de contos. Qual é o género que prefere?

Sem dúvida os contos. Sempre a narrativa, porque é onde me sinto mais à vontade. Não quer dizer que não gostasse de escrever teatro, infelizmente não é o meu género natural.

E o novo romance?

Tenho reservado os próximos tempos para o acabar. Do novo romance só posso dizer que está na fábrica.

Seguirá o registo de Os Memoráveis?

Quando olho para trás vejo que todos os meus livros têm uma sequência que lhes é comum, afinal o meu projeto é o do confronto com a mudança social e do mundo, o que faz que escreva alguma coisa que se quer comparável a uma crónica do tempo. De um tempo transfigurado naturalmente, mas esta relação com o que estamos a viver atualmente é a de uma época tão funda como ficcionável. Pretendo dialogar com os leitores e com o presente, bem como o próximo futuro, através deste testemunho que a ficção pode fazer e que alguns escritores portugueses da minha geração continuam a realizar como uma resposta a um desafio que é o deste tempo.

Estes contos não serão sobre a atualidade, mas contêm muita da violência que presenciamos. É verdade?

Sim, porque sendo contos em que a ação é num outro tempo, ela é sempre vista com o olhar do presente. Considero-os contos contados e ouvidos; de acontecimentos em que alguém narra o episódio e de uma área testemunhal - nessa medida, acabam por ser o reflexo do que é o nosso tempo. O primeiro, O Amor em Lobito Bay, tem o sentimento de regresso a uma história do passado, mas quem o conta fá-lo como se fosse uma espécie de semente de tudo aquilo que estamos a viver. É nessa experiência do nascimento da desordem sobre um tempo em que havia uma ordem e uma harmonia que se cria uma atualidade que aparece como o fantasma da desarmonia. Neste caso, trata-se do relato de alguém que faz uma iniciação no mundo da violência e que é salvo pela família. Que a criança aprende para sempre, tornando-se o homem do presente.

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