Flores sonoras e um elefante na Avenida da Liberdade
Desde sempre soube que queria desenhar. Fez a António Arroio, Pintura em Belas-Artes, tornou-se ilustrador e autor de banda desenhada a tempo inteiro
Os desenhos de Ricardo Cabral andam por aí. Não os reconhece? Terá reparado nuns cartazes com enormes flores carnudas que parecem vir de outra galáxia? São sete, todos diferentes e estão em muitas paredes de Lisboa. Não estão assinados, mas saíram do computador deste ilustrador e autor de BD.
Os cartazes do festival Lisb-on são um dos mais recentes trabalhos do ilustrador de 38 anos, que trabalha em várias áreas. "O briefing foi muito específico em relação ao que o cliente queria, que eram flores que representassem os artistas mas que não fossem deste mundo. Eu só tive de imaginar o que se adequava para ser identificado como uma planta que seria uma planta mas não seria uma planta normal."
Lisboa é o território natural de desenho de Ricardo Cabral. Porque é a cidade onde cresceu e estudou, é a cidade onde vive e trabalha. Sempre com um lápis, uma caneta ou um telemóvel (sim, também desenha no telemóvel). "Sempre desenhei, sempre achei que era isto que queria fazer. Fui para a António Arroio, depois para a Faculdade de Belas-Artes para pintura e depois comecei a fazer ilustração, banda desenhada e começaram a surgir trabalhos mais vistosos, os que são mais conhecidos."
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Os trabalhos de que fala, curiosamente, contam histórias de outras paragens. São os livros Evereste (2007, ASA) - inspirado na história do alpinista João Garcia - e Israel Sketchbook (2009, ASA) - resultado de uma viagem desenhada ao país. Também as capas que fez para a Moleskine fizeram que o telefone não parasse de tocar. Ricardo Cabral foi o primeiro português a desenhar capas dos famosos caderninhos, em 2011.
Voltamos a Lisboa. Numa das paredes do seu ateliê em Santa Apolónia está um desenho da Avenida da Liberdade, vista dos Restauradores ao alto do Parque Eduardo VII, reconhecível ao primeiro olhar mas com uma estranha distorção que o autor explicaria: "Era para uma brochura para ser oferecida a potenciais compradores de andares de um prédio na Avenida da Liberdade e o cliente queria mostrar a avenida toda e, para além disso, os pontos principais mais apelativos para o tipo de comprador, que eram as lojas de luxo, o estacionamento e tudo o que era mais exclusivo da avenida." O desenho que fez acabaria por tirar algum verde às copas das árvores para deixar brilhar as lojas de luxo e as fachadas (e sim, o prédio terá sido vendido).
"Lisboa é interessante de desenhar, não é o tipo de cidade mais moderna que é muito quadradona. Olhas para aqui e há milhares de pormenores. Dá mais gozo desenhar dessa maneira do que arranha-céus todos iguais."
No álbum Pontas Soltas (2014, ASA), Ricardo Cabral dá asas aos pormenores e junta-lhe o elefante cor-de-rosa que hoje pousa em cima da prateleira do ateliê. Nesta banda desenhada, o elefante desce a Avenida da Liberdade e a Rua Augusta. Privilégios de quem pode brincar assim com as cidades. "A história original saiu noutra publicação, numa antologia de BD no festival de Lyon. Eles convidaram autores de várias origens para ilustrar cidades e davam estes personagens principais [um rapaz e uma rapariga]. Cada capítulo era passado numa cidade e eu aproveitei a história e fiz o álbum", conta. Já o elefante, a que não deu nome, comprou-o em Copenhaga. "Fazem parte de uma coleção. É de uma campanha de proteção de animais selvagens. Tinham estas figuras à venda em vários sítios e achei piada."
Após uns anos de atividade editorial mais intensa, Ricardo Cabral resolveu "abrandar e reequacionar as coisas". Não significa que esteja parado. Está a aprender novas técnicas e por estes dias está, como outros artistas do coletivo The Lisbon Studio, com quem partilha o ateliê, a acabar o trabalho para a publicação que lançaram em maio: TLS. "No primeiro número o tema foi cidades, o segundo será silêncio" e deverá ser lançado no festival de BD da Amadora em outubro. Também com os vizinhos do lado ultima os preparativos para uma exposição sobre Bordalo Pinheiro e Zé Povinho, que deverá chegar no final de setembro ao Museu Rafael Bordalo Pinheiro.