Fátima: a versão mais moderna do dia em que o Sol bailou
"Fátima - o Dia em que o Sol Bailou" tem antestreia marcada para quarta-feira, dia 11 de maio. Uma criação da Vórtice que há 15 anos espalha magia pelo mundo.
Não terá muito mais que um metro e meio a rapariga que parece voar nos braços de um anjo, numa das passagens do bailado. Cláudia Martins, 36 anos, bailarina de corpo inteiro, ajeita cuidadosamente o cabelo antes de começar o ensaio do espetáculo Fátima - O dia em que o sol bailou, em parceria com o companheiro de palco e de vida, Rafael Carriço. Estamos na escola Tutu ballet, a dois passos do Santuário, e da janela do estúdio a vista alcança os Valinhos, local emblemático na história das aparições.
Há muito que a Vórtice Dance Company anda a trabalhar neste espetáculo, com estreia marcada para a tarde de amanhã. Depois de Fátima, apresenta-se em Bragança no final do mês, e no Brasil, em agosto. Os responsáveis da companhia estão rodeados pelo núcleo central, composto por oito bailarinos, vindos de vários países, mas desvendam ao DN que, no total, em palco estarão 35 pessoas, contando com figurantes e também com a cantora litúrgica Ana Aleixo, numa interpretação original da ave-maria, que há de acompanhar a representação da procissão das velas e do adeus.
Esta não é a primeira vez que o Santuário convida a Vórtice para encenar um espetáculo; já o fizera em 2006, a propósito dos 90 anos das aparições. Porém, agora há um significado especial: "A companhia faz 15 anos, acabados de completar a 29 de abril. Sabemos que uma coisa não é comemorativa da outra, mas veio a calhar", sublinha Cláudia, nascida e criada em Fátima. "Sentimos as coisas como artistas de uma forma diferente das outras pessoas. E como pessoas também sentimos de outra forma por sermos daqui. Tudo isso faz que nos seja muito próximo este tema", acrescenta ela, crente na mensagem de Nossa Senhora de Fátima, mas pouco dada à prática assídua de rituais católicos.
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Está habituada a encontrar reconhecimento pelo trabalho e pela naturalidade, no mundo inteiro, pois a companhia circula internacionalmente e faz parcerias em vários países. Era no estrangeiro que estavam quando foram desafiados "a fazer uma abordagem diferente, contemporânea, para este espetáculo", em sintonia com a imagem que tem do próprio Santuário. "Quando entro lá, aquilo não me transmite 1917. É tudo muito contemporâneo. Por isso a ideia foi desde o início criarmos uma obra para os dias de hoje, enquanto artistas contemporâneos que somos."
Daí partiram para aquilo a que chamam "um relacionamento com a vida das pessoas, nos dias que correm". "Quando Nossa Senhora nos pediu para rezarmos o terço todos os dias, pela paz do mundo e salvação dos pecadores, a mensagem não ficou estática naquele tempo." Aqui chegada, "ajuda muita gente a superar dificuldades". Rafael secunda-a, lembrando que "essa mensagem é necessária hoje, também", independentemente da fé. "Há uma secção do espetáculo, logo na primeira aparição, em 1917, em que se ouve a mensagem de nossa senhora: rezai pela paz no mundo. E isso é necessário hoje", conclui.
Uma história com 15 anos
Cláudia e Rafael têm trabalhado muito pouco em Portugal, e mesmo sem o registo de queixume, fica o desencanto. "Quando nós descentralizamos um espetáculo destes, estamos à espera que as pessoas responsáveis pela cultura reconheçam o esforço que se faz, por exemplo, para trazer bailarinos para cidades pequenas. É gente que vive em Praga, em Londres, e mesmo estando muito embrenhados no trabalho, temos de criar toda uma estrutura de apoio. Em Lisboa é tudo muito mais fácil."
A Vórtice nunca atuou nas grandes salas de Lisboa e Porto, mesmo quando faz estreias dos seus trabalhos por toda a Europa e América. Falta a valorização desse esforço por ter uma escola, formar pessoas, e fazer de forma intensa um trabalho reconhecido internacionalmente. Como naquele dia em que um produtor os viu em Madrid, em frente ao Palácio Nacional, e logo ali os convidou para a inauguração do TGV de Liège. "Sem padrinhos nem amigos fecham-se as portas."
Rafael fala de lobbies na cultura em Portugal, Cláudia é mais comedida, mas ainda assim há factos incontornáveis: "há um grupo de artistas que vê a sua vida facilitada. Que ainda nem o projeto está feito e já tem as salas abertas. Nós mandamos uma, duas ou três vezes, e nunca há data. Nem que seja numa segunda-feira às três da tarde", brinca ela.
Conheceram-se na Escola Superior de Dança e nunca mais se separaram. É dessa cumplicidade de horas imensas de ensaios que nasce o amor e o projeto comum, com os primeiros passos na companhia portuguesa de bailado contemporâneo, dirigida por Vasco Wellenkamp.