Batalha regional e guerra de gerações nos Grammys
Há um ano, o confronto minimizado por múltiplas cortesias de parte a parte travava-se entre Beyoncé e Adele. A norte-americana dominava, em quantidade, as nomeações aos Grammys, acabou por ser a britânica a colecionar mais prémios.
Este ano, por mais significativos, surpreendentes ou disparatados os que correm "por fora", a batalha trava-se na grande casa do rap, recuperando (desta vez sem tiros nem mortes, segundo se espera) uma rivalidade entre as duas costas dos Estados Unidos. Beyoncé passou o testemunho ao marido infiel confessado no álbum que lhe vale o destaque, mas marido , Jay-Z, 48 anos, discograficamente ativo em nome próprio desde 1996, com mais de uma dúzia de registos publicados e com um impressionante total de 21 Grammys conquistados.
Ironicamente, este palmarés esmagador, que corresponde a mais de 100 milhões de cópias vendidas, pode ser um argumento contra Shawn Corey Carter, ou Jay-Z, se os cerca de 13 mil votantes quiserem eguer um novo colosso para simbolizar o estatuto de maioridade alcançado pelo rap, depois de anos de subavaliação por parte de quem decide.
Se o entendimento for no sentido de privilegiar os mais novos, a vantagem passará direitinha para as mãos de Kendrick Lamar, 30 anos, "apenas" 7 Grammys no currículo e agora em campo com o seu quarto álbum, Damn, que vai protagonizar o principal embate com 4:44, de Jay-Z.
Frente a frente, com oito nomeações do veterano para sete do "jovem turco", estão Brooklyn, onde nasceu Jay-Z, e Compton, de onde vem Lamar, dois centros nevrálgicos do rap. É nesse "antagonismo" geográfico, mas não só, que vai jogar-se muito nas principais categorias. Os dois enfrentam-se na Gravação do Ano (The Story Of O.J., para Jay-Z, Humble para Kendrick) e no Álbum do Ano.
No primeiro desses segmentos, só mesmo uma enorme surpresa desviará o troféu para as mãos de terceiros, que se perfilam assim: Redbone, de Childish Gambino (ou, se preferirem, Donald McKinley Glover, ator, DJ e músico, também californiano), 24K Magic, de Bruno Mars (o havaiano que ajuda a cumprir a quota em que a qualidade se confunde com o êxito comercial) e Despacito, de Luis Fonsi e Daddy Yankee, a mais espalhafatosa e disparatada de todas as nomeações, que já fez história ao ser a primeira cantiga em língua não inglesa a chegar a categorias tão importantes como esta e Canção do Ano.
No Álbum do Ano, vira o disco e toca quase o mesmo: Childish Gambino e Bruno Mars repetem presenças e o único "fora da caixa" é mesmo Melodrama, da neozelandesa Lorde, apenas com 21 anos. Seria muito curioso vê-la triunfar, mas, honestamente, aparece quase como uma nomeação "honorária".
Vale tudo, até o disparate
Este panorama dicotómico nos grandes capítulos poderia se substancialmente diferente se o mais recente álbum de Taylor Swift, Reputation, tivesse sido lançado a tempo de ficar abrangido nos passíveis de escolha. Ainda assim, sendo ela uma "princesa de todos os prémios", ainda vamos descobri-la em duas categorias, as de Melhor Canção para Filme, com uma cantiga que escreveu em parceria para um dos filmes da inenarrável saga de 50 Sombras de Grey, Melhor Música Country.
Na Revelação, confirma-se o domínio do hip-hop e do R&B, com Alessia Cara, Khalid, Lil Uzi Vert e SZA a garantirem a hegemonia, face a Julia Michaels, arquitecta de um pop dance sem recorte por aí além. Na Performance Solo Pop, tenta contrabalançar-se a escassez de presenças femininas noutros departamentos: ao lado de Kelly Clarkson, Kesha, Lady Gaga e Pink, só Ed Sheeran "defende a honra" masculina. Como o seu disco mais recente falhou nas competições maiores, pode sair disso beneficiado, mas Lady Gaga não deverá dar hipóteses, na Performace Pop para Dupla ou Grupo, além do regresso de Despacito (!) e de Alessia Cara, em dueto com Zedd, perfilam-se o encontro dos Coldplay com os Chainsmokers, a nova investida dos Imagine Dragons e a candidatura inesperada da banda Portugal, The Man, uma banda de rock psicadélico que faz carreira a partir de Portland, Oregon, e cuja (difícil) vitória poderia chamar a atenção para o nome que escolheu, aleatoriamente, "pelo exotismo".
Bob Dylan poderá arrecadar mais um prémio, agora em Álbum Vocal de Pop Tradicional, com o peso do Nobel da Lteratura a carregar ainda mais o seu triplo CD de versões, Triplicate. A concorrência parece chegar de todas as proveniências, uma vez que aqui se juntam nomes como os de Michael Bublé, Seth MacFarlane, Sarah McLachlan e até de todos os que se juntam na homenagem Tony Bennett Celebrates 90, e Diana Krall a Lady Gaga, de Stevie Wonder a Elton John, de K.D. Lang a Kevin Spacey, agora caído em desgraça.
Outra provável "vítima" das notícias recentes nada menos do que uma acusação de plágio, por parte dos Radiohead poderá ser Lana Del Rey, contemplada na categoria Álbum Pop Vocal, lado a lado com Coldplay (que, tecnicamente, não completaram um álbum, mas um EP, Kaleidoscope), Imagine Dragons, Kesha, Lady Gaga e Ed Sheeran, sendo os dois últimos os favoritos.
Na Performance Rock, há sérias hipóteses de um galardão póstumo, uma vez que na lista se destacam Leonard Cohen, com a sua fabulosa despedida anunciada, You Want It Darker, e Chris Cornell, com The Promise. A alternativa poderá, ainda assim, favorecer os Foo Fighters, com Run. Curioso seria um triunfo de Beck, no capítulo Videoclip mas lá andam Jay-Z e Lamar, em pose dominante.
De um total de 84 categorias, uma das mais interessantes e equilibradas é a de Álbum de Música Alternativa, em que confluem os nomes de Father John Misty (Pure Comedy), Arcade Fire (Everything Now), LCD Soundsytem (American Dream), Gorillaz (Humanz) e The National (Sleep Well Beast), com desfecho imprevisível mas com uma clara preferência pela banda de Matt Berninger.
Amanhã à noite, pelo fuso de horário de Nova Iorque, tudo será revelado no Madison Square Garden. Felizmente, a música continua no dia seguinte.