A artista entre memórias deixadas para trás

Até setembro Carla Cabanas mostra o seu trabalho na galeria Carlos Carvalho e no Instituto Cultural de Ponta Delgada

Vasculhar arquivos e usar fotografias que outros produziram é uma das fontes de trabalho da artista plástica Carla Cabanas, cuja obra se pode ver até 2 de setembro na galeria de arte contemporânea Carlos Carvalho, em Lisboa. Chama-se Mecânica da Ausência II e nasceu a partir de uma coleção de fotografias, algumas trabalhadas em sobreposição, projetadas a vários tempos, a partir de máquinas de slides, recuperando o seu som característico e, como explicará, esse ritual perdido de apagar as luzes da sala e mostrar as imagens captadas à velocidade de uma história.

Estas imagens foram encontradas na Feira da Ladra. Carla Cabanas costuma procurá-las. "Compro muito para o meu trabalho. Negativos, chapas de vidro, fotografias, slides, porque uso e porque gosto", afirma. "Muitas vezes nem sei se vou usar ou não." Foi o caso nesta obra, segunda parte de um trabalho mostrado pela primeira vez em 2016 na Cooperativa de Comunicação e Cultura. "Tive-as durante uns anos no ateliê sem saber o que fazer com elas. De vez em quando via-as e acabei por ganhar uma certa ligação afetiva." Os slides percorrem a história de uma família - sempre a mesma - por mais de uma década. O jovem casal, o seu carro, as férias em família, o nascimento da filha, em Portugal e no estrangeiro. Até que...

"Surgiu a ideia de ir buscar este processo que era comum há décadas atrás, dos álbuns que eram feitos para depois mostrar à família." Um ritual desaparecido na época das redes sociais e do verbo partilhar. "Não é uma partilha tão vivencial, é uma coisa que rapidamente desaparece. Passado um minuto tem quilos e quilos de imagens a sobrepor. E custa-me um bocadinho a ilusão de que se está na internet não vai desaparecer. É o oposto. É mais fácil desaparecer no meio de 500 mil imagens", diz a artista, jeito de miúda e palavras firmes, mostrando as projeções de imagens que, no escuro, enchem a galeria.

Outras imagens de arquivo, trabalhadas por Carla, estiveram recentemente em exposição no Instituto Cultural de Ponta Delgada, a partir do acervo da casa e à boleia de uma residência artística que aconteceu há um ano no festival Walk & Talk. Chamava-se A Matriz e o Intervalo, porque vai à procura da matriz da fotografia e das várias maneiras de a guardar, como a fotografia da fotografia, até chegar a um momento em que resta apenas o cavalete onde essa imagem foi pendurada.

Vem de longe essa ideia de trabalhar em torno do arquivo e da memória. "Na universidade tive trabalhos com arquivo, mas era da minha família. Eram projeções de partes do meu corpo. Nem sabia que mais tarde ia virar-me mais para o arquivo", conta a artista, de 38 anos.

Carla, de Lisboa, licenciou-se em Artes Plásticas na Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha, em 2003. A parte que o seu currículo oficial não diz é aquela que Carla conta: "Achei que era melhor para mim ir para fora. Crescer um pouco." Por essa altura, não se pode dizer que quisesse ser artista.

"Tinha vontade de fazer qualquer coisa relacionada com arte, mas não era um prodígio a desenhar." Não andou numa escola artística nem era de ir a exposições, mas ainda estudante universitária começou a trabalhar. Em 1999 fez a primeira exposição coletiva. E antes de terminar o curso de Pintura já estava a trabalhar em fotografia. No passado, alguns dos seus trabalhos foram fotografias da própria Carla Cabanas, mas não é (apenas) o meio que lhe interessa. É o processo.

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