Zé Pedro Rock n' Roll, lágrimas de alegria no Doclisboa

O Doclisboa arranca esta noite com <em>Longa Noite</em>, cinema galego de Eloy Enciso, mas amanhã todos os olhares centram-se num documentário afetivo sobre Zé Pedro, dos Xutos: <em>Zé Pedro Rock n' Roll</em>.
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Um filme para dar uma resposta a uma pergunta que muitos fazem: qual a razão para todos gostam de Zé Pedro, o guitarrista dos Xutos & Pontapés? O retrato de Diogo Varela Silva, um sobrinho "adotado" do músico, é por estes dias o título português com maior mediatismo da programação do DocLisboa, festival de cinema do real criteriosamente escolhido por uma equipa de programação que acredita que a arte cinematográfica pode ser uma arma política.

Mas de política não fala Zé Pedro Rock n' Roll, 110 de minutos de tributo a Zé Pedro, belo amontoar de histórias em torno de uma figura fundamental no crescimento do rock português, um homem que viveu segundo os princípios da mais cordial conduta punk: a liberdade. Da infância à sua morte, este documentário examina o segredo de um ícone que nunca acreditou ser "cota" e cujo "o amor era a coisa mais importante".

A partir de uma série de depoimentos de colegas e amigos, Zé Pedro Rock n' Roll traça o perfil de uma espécie de santo da música, alguém que acreditava que podia ser amigo de todos e cujo sonho era partilhar o seu amor pela música. Pela proximidade com Zé Pedro, Diogo Varela Silva, cineasta que se estava a especializar em filmes sobre a arte do fado, consegue uma certa intimidade com o tema. Às tantas, o espetador é convidado a participar na tertúlia e em todo um jogo de afetos. Como algo muito "lá de casa", onde a informalidade dos depoimentos pode ter contornos de intimidade e efeitos emocionais genuínos.

A partilha da camaradagem com Miguel Quintão, Pedro Ramos, os colegas dos Xutos ou as confissões da viúva, Cristina Avides Moreira, têm um poder dramático muito bem trabalhado através de uma montagem que deixa respirar as histórias e o peso das memórias. Às duas por três, fica-se colado a todo aquele amor. Aliás, com Zé Pedro tudo passava por amor, sobretudo a sua filiação aos Rolling Stones, sublinhada através da sua participação num festival de storytelling.

Importa também relembrar a capacidade simples e eficaz que este ídolo tinha para contar histórias e Varela Silva percebe esse seu jeito de "storyteller", sobretudo quando enfatiza as suas entrevistas mais antigas, com destaque a um mítico momento televisivo com Ana Sousa Dias, na RTP. Aliás, todo o modo e os modos de narração propostos são exemplarmente recordados por um feliz tratamento das imagens de arquivo, capazes de, por vezes, se confundirem como um ajuste de contas de uma melancolia pela histórias de uma geração que mudou a atitude da música portuguesa pós-25 de Abril.

Talvez a única coisa que manche este objeto pós-luto seja uma certo vínculo televisivo, sobretudo na dependência da fórmula do depoimento de "cabeças falantes", com os convidados virados para a câmara a falar - o filme é sempre mais contagiante quando há diálogos com o realizador ou situações de encontros, seja o episódio dos sobrinhos, seja o das irmãs.

Zé Pedro Rock n' Roll passa amanhã no São Jorge às 21h30 na secção Heart Beat e não terá presença de Diogo Varela Silva, ausente nos EUA para acompanhar Gaspar Varela, o seu filho que está na digressão de Madonna. Depois do Doclisboa, há exibição confirmada no Porto/Post/Doc e em 2020 terá estreia nas salas de cinema. Aconteça o que acontecer, é já um dos trunfos de programação do Doclisboa.

O festival começa amanhã e termina a 27, espalhando-se pelo São Jorge, Culturgest, Ideal e Cinemateca. Será a última vez que é programado por Cíntia Gil, alguém que trouxe ao festival uma internacionalização que tem resultado num interesse da imprensa internacional e várias estreias mundiais. Ao longo desta última vaga, o Doclisboa conseguiu ser militante e político sem nunca perder o pé à cinefilia mais pura. Soube também conservar o seu estatuto de laboratório e de espaço para propostas novas, não deixando de convocar o melhor que outros festivais mostram.

Este ano, a nível de nomes consagrados, a seleção de nomes passa por Abel Ferrara, Alain Cavalier ou Werner Herzog, mas também é impossível não salivar por esse selvagem e inclassificável Serpentário, de Carlos Conceição (já mostrado no Curtas Vila do Conde), pelo hilariante e desconcertante Technoboss, de João Nicolau, filme de encerramento, ou pelo novo de Rita Azevedo Gomes, (em conjunto com Jean-Louis Schefer e Pierre Léon) Danses Macabres, Aqualettes et Autres Fantaisies e What She Said- The Art of Pauline Kael, de Rob Garvier, retrato sobre Pauline Kael, a crítica de cinema mais famosa que apareceu na imprensa americana.

Certo e garantido é uma competição nacional com cinema de grandíssima qualidade. Raposa, de Leonor Noivo, dos melhores filmes vistos no FID Marseille, e Prazer, Camaradas!, de José Filipe Costa, vindo de Locarno, terão estampa de favoritismo, mas há imensa expectativa para ver o que sai de Fantasmas- Caminho Longo para Casa, de Tiago Siopa e de Viveiro, de Pedro Filipe Marques.

O Doclisboa continua aos 17 anos sóbrio e imperturbável. Parece estar cada vez maior e melhor. Vamos confirmar numa semana que inclui festas, conversas e uma retrospectiva séria a Jocelyne Saab.

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