Xi e Biden: o dilema de evitar nova Guerra Fria

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Não é difícil identificar os anos compreendidos entre 1949 e 1989 como os politicamente mais perigosos para a humanidade. E digo politicamente porque a sobrevivência da espécie humana e, associada a ela, do próprio planeta estava em risco, não por causa de qualquer eventual calamidade natural, mas sim por razões de competição ideológica entre os Estados Unidos e a União Soviética, tudo dependendo da decisão de uns poucos. Sabemos hoje como há exatamente 60 anos esse risco se tornou altíssimo aquando da crise dos mísseis de Cuba, o episódio mais crítico dessa Guerra Fria que balizo aqui, admitindo certa simplificação, entre 1949, ano do primeiro teste nuclear soviético (e portanto da possibilidade de destruição mútua), e 1989, queda do Muro de Berlim, sinal da derrota do bloco comunista liderado por Moscovo.

A invasão russa da Ucrânia em curso, com as consequentes sanções americanas a Moscovo, até podem dar a ideia de um certo regresso à Guerra Fria, mas é ilusório. A Rússia, mesmo preservando um gigantesco arsenal nuclear como ameaça e usando a sua produção energética como instrumento geopolítico, não tem nem uma ideologia alternativa para exportar nem o poderio económico da extinta União Soviética. Basta ver os recuos militares recentes na Ucrânia para se perceber que o chamado "urso russo" mantém grande força mas o seu abraço não é automaticamente fatal.

A haver uma espécie de segunda Guerra Fria, será entre os Estados Unidos e a China, ou seja, a superpotência vencedora da primeira versus a agora ressurgida grande potência dos séculos antigos. Por enquanto, o poderio americano, sobretudo militar (incluindo o arsenal nuclear), mas também económico, subsiste, mas a China tem reduzido esse fosso e atualmente, além de grande capacidade de influência global a nível do investimento e do comércio, exibe uma ideologia - o centralismo estatal nacionalista ou o autoritarismo do partido único, consoante as opiniões - para competir em termos de atração com a democracia liberal.

A acreditar nas palavras de Joe Biden (bem mais explícitas) e de Xi Jinping, após o seu histórico encontro como presidentes à margem da cimeira do G20 na Indonésia, essa nova Guerra Fria não acontecerá. Competição sim, conflito não, será a conclusão a tomar do caminho admitido por ambos os líderes, o que parece realista, pois Pequim não deixará de prosseguir a sua ascensão e Washington não deixará de procurar preservar a sua supremacia. Que, ao contrário da União Soviética, a China esteja envolvida no comércio global torna mais difícil, porém, uma confrontação entre os dois gigantes, mesmo que se perceba que existem fortes divergências, com a forma como olham para o destino de Taiwan ou o futuro da disputa entre russos e ucranianos a serem dois possíveis exemplos.

Esta reunião dos líderes americano e chinês coincidiu com a realização da COP27, no Egito, na qual o mundo debate como contrariar as alterações climáticas. Também aconteceu na véspera de as Nações Unidas assinalarem o habitante número oito mil milhões do planeta. E deu-se dias depois de americanos e russos começarem a dialogar para renovar o único tratado nuclear que mantêm. Somemos tudo isto e talvez possamos, a nível global, pensar que existem linhas vermelhas que os mais poderosos sabem que não podem ser ultrapassadas. Isso não significa um mundo em paz de um dia para o outro, infelizmente, mas garante pelo menos que ainda há tempo para se tentar salvar esse mesmo mundo (o nosso) da destruição e mudá-lo para melhor um dia.

Diretor adjunto do Diário de Notícias

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