Von der Leyen visita Bucha após nova "terrível atrocidade", agora em Kramatorsk
O fragmento do míssil que atingiu o terreno contíguo à estação de comboios de Kramatorsk, no leste da Ucrânia, na manhã de sexta-feira, tem a inscrição em russo "Pelos nossos filhos", frase usada pelos separatistas apoiados por Moscovo. Ao atingir um local apinhado de pessoas em fuga da guerra atingiu adultos e menores, os filhos dos "outros". "Há tantos cadáveres, há crianças, há apenas crianças", gritou uma mulher num vídeo partilhado nas redes sociais. Pelo menos cinco morreram, além de 45 adultos, e cerca de 90 feridos. Um "crime contra a humanidade", disse o ministro dos Negócios Estrangeiros francês Jean-Yves Le Drian, enquanto outros dirigentes da UE visitaram Kiev e prometeram mais apoio e "um futuro europeu" ao país.
Acredite quem quiser, o Ministério da Defesa russo chamou de "provocação" ao ataque e acusou Kiev de impedir a sua própria população de sair da cidade, quando o governo ucraniano tem apelado para os civis saírem da região do Donbass por temerem o recrudescimento da violência ou uma tentativa de invasão em toda a escala. Milhares de pessoas têm saído todos os dias e era mais uma jornada de retirada até que o míssil - segundo as autoridades, de fragmentação, isto é, capaz de atingir alvos em várias direções - trouxe a morte e destruição.
"Na plataforma, vários corpos jazem ao lado de uma bengala, e não muito longe de um coelho de peluche. A dois passos de onde caiu o míssil, que deixou um buraco no chão, é possível ver uma mala de couro e os restos de um pé. No meio dos escombros, um polícia recolhe os telemóveis cheios de sangue. Um deles continua a tocar. As autoridades juntam os corpos num canto da esplanada, sob os toldos das pequenas lojas onde os passageiros costumam comprar bebidas antes de embarcar no comboio", descreve a reportagem da AFP.
"Estava muita gente na estação e na frente dela. Eu estava no interior, ouvi algo como uma dupla explosão e atirei-me contra uma parede para me proteger", conta Natalia enquanto procurava pela sua bolsa e passaporte e tenta evitar o sangue espalhado pelo chão. "Depois, vi gente a entrar coberta de sangue na estação, corpos por todas as partes no chão, não sei se estão feridos ou mortos", recorda.
"Atingiram uma estação onde há refugiados, civis e, portanto, isto pode ser visto como um crime contra a humanidade", considerou o ministro dos Negócios Estrangeiros francês. "Estes crimes não podem ficar impunes", disse ainda Jean-Yves Le Drian, tendo apelado para que peritos reúnam provas para acusar os perpetradores no Tribunal Penal Internacional.
Le Drian acusou a Rússia de "cinismo total" e, segundo crê, a "guerra durará enquanto não forem alcançados os objetivos estabelecidos pelo presidente Putin". Tal como horas antes Emmanuel Macron havia alertado para que o regime russo querer celebrar em 9 de maio - dia da celebração da vitória sobre a Alemanha nazi - uma vitória militar, o chefe da diplomacia disse que Putin tem como objetivo imediato marcar o dia "com alguns troféus", o que passa pela tomada de toda a região do Donbass.
Do outro lado do Atlântico, o porta-voz do secretário-geral das Nações Unidas António Guterres condenou o ataque à estação ferroviária. "São violações grosseiras do direito humanitário internacional e do direito internacional dos direitos humanos, pelas quais os perpetradores devem ser responsabilizados", disse Stéphane Dujarric.
O presidente Joe Biden viu o bombardeamento de Kramatorsk como "mais uma terrível atrocidade cometida pela Rússia, atingindo civis que tentavam retirar-se e alcançar segurança". No Twitter, o democrata prometeu continuar a oferecer "assistência de segurança e entregas de armas" para ajudar a Ucrânia a defender-se. Também se referiu de forma elogiosa ao governo eslovaco por este ter oferecido o sistema de defesa russo S-300 à Ucrânia, uma posição articulada com o EUA e a NATO, uma vez que Bratislava irá receber o sistema norte-americano Patriot.
"Agora não é altura para complacências", disse Biden numa declaração. "Enquanto os militares russos se reposicionam para a próxima fase desta guerra, instruí a minha administração a continuar a não poupar esforços para identificar e fornecer aos militares ucranianos as capacidades avançadas de armamento de que necessitam para defender o seu país."
O governo ucraniano pediu nas últimas horas o fornecimento de armas mais modernas, em vez do equipamento de fabrico soviético com o qual as suas forças têm estado a combater. Segundo o ministro da defesa do país, Oleksii Reznikov, as armas têm décadas, muitas estão em mau estado, e as munições estão a esgotar-se. Reznikov reconheceu a utilidade das armas, até pela familiaridade das tropas ucranianas, mas para a nova fase do conflito a Ucrânia precisa de armas mais modernas, de forma a reforçar o poder de defesa e a "enviar um sinal poderoso à Rússia de que não conseguirá depauperar o exército ucraniano", à medida que a guerra se torna também numa competição de recursos, disse Reznikov.
Um dia depois da cimeira dos ministros dos Negócios Estrangeiros da Aliança Atlântica, onde aqueles ouviram o homólogo ucraniano pedir urgência na entrega de armas, mais confirmações de entregas se ouviram. Os militares checos confirmaram à Reuters a entrega de tanques, veículos blindados e sistemas de lançamento de rockets, enquanto o primeiro-ministro britânico Boris Johnson, ao lado do chanceler alemão Olaf Scholz, disse que Londres irá enviar aos militares ucranianos mais mísseis antiaéreos Starstreak, 800 mísseis antitanque NLAW e um número não discriminado de mísseis Javelin e também prometeu mais capacetes, óculos de visão noturna e coletes blindados. Na Roménia, o ministro da Defesa Ben Wallace disse que os britânicos vão expedir para a Ucrânia os veículos blindados Mastiff, utilizados no Afeganistão.
Além do apoio militar, Kiev recebeu na sexta-feira a segunda visita de representantes das instituições europeias. Depois da presidente do Parlamento Europeu Roberta Metsola, foi a vez da presidente da Comissão Ursula von der Leyen e do chefe da diplomacia Josep Borrell (acompanhados do primeiro-ministro eslovaco Eduard Heger). A visita começou em Bucha, símbolo de crimes de guerra. A dirigente alemã condenou o massacre de civis por parte das tropas russas. "A nossa humanidade foi destruída em Bucha", declarou.
"A Rússia irá mergulhar na decadência económica, financeira e tecnológica enquanto a Ucrânia marcha em direção a um futuro europeu", augurou Von der Leyen ao lado do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, em conferência de imprensa. "O seu combate é também o nosso combate. Se estamos hoje em Kiev é para enviar uma forte mensagem de que a UE está convosco", declarou. "Estamos a ativar todo o nosso poderio económico para que Putin, pague um preço muito, muito alto", acrescentou. Zelensky mostrou-se agradecido mas voltou a dizer que as sanções da UE contra a Rússia são insuficientes.
"Estamos convosco quando sonham com a Europa", disse a presidente da Comissão, que entregou a Zelensky um questionário para servir de base para discussões futuras. "É onde começa o vosso caminho em direção à Europa e à União Europeia", concluiu.
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